As Comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos
Publicado em 25/02/2021 por Gleide Selma
O termo da cidade do Salvador
As comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos foram criadas no ano de 1696, através do mesmo documento, passando cada uma delas a ter seu próprio ouvidor geral.
Primeira Ouvidoria Geral do Brasil
Para se compreender o papel das comarcas na colônia, é importante se entender o processo de estabelecimento das Ouvidorias Gerais no Estado do Brasil.
Quando a estrutura de governo régio central foi estabelecida na América portuguesa, no ano de 1549, ela era formada por quatro órgãos administrativos, cada um deles representando um poder régio da Coroa.
Os quatro órgãos foram: o Governo Geral, a Ouvidoria Geral, a Provedoria-Mor e a Capitania-Mor da Costa. Eles representavam, respectivamente, os poderes político-militar, de justiça, da fazenda e o militar costeiro.
No caso da Ouvidoria Geral, ela era comandada por um bacharel em direito, chamado de ouvidor geral.
Sua competência abrangia o mais alto patamar da justiça de primeira instância na colônia.
Até esse momento, todas as capitanias tinham um ouvidor leigo em sua estrutura administrativa, cujo conhecimento de lei era baseado no costume e em sua vivência pessoal e não, necessariamente, na interpretação da letra da lei.
As nomeações dos ouvidores leigos eram feitas pelos donatários ou por seus loco-tenentes, com autorização dos donatários.
Como a sede do governo régio central da colônia foi estabelecida na capitania da Bahia de Todos os Santos, na cidade do Salvador, o ouvidor geral do Estado residia nela, e dela ele se locomovia para fazer correições em todas as capitanias.
Sua principal missão era a de corrigir erros cometidos por juízes ordinários de vilas e por ouvidores leigos na aplicação da justiça régia em primeira instância em suas respectivas capitanias.
A partir de 1608, foi criada outra Ouvidoria Geral, sendo essa implantada na cidade de São Sebastião, na capitania do Rio de Janeiro.
A partir desse momento, o ouvidor geral estabelecido na cidade do Salvador passou a atuar nas capitanias de Porto Seguro para o Norte, e o do Rio de Janeiro nas capitanias do Espírito Santo para o Sul.
Primeiro Tribunal da Relação do Brasil
O Tribunal da Relação do Brasil foi um órgão colegiado de segunda instância da Justiça, formada por dez desembargadores e presidida pelo próprio governador geral, apesar dele não ter direito a voto em decisão legal. Ele foi criado no ano de 1587, mas foi instalado somente no dia 7 de março de 1609.
Sua principal função era a de atuar junto aos colonos quando esses recorressem das decisões judiciais da primeira instância.
Entre esses desembargadores, um deles atuava como ouvidor geral na área civil e outro ouvidor geral na área crime; por esse motivo, a figura dos ouvidores gerais na cidade do Salvador não foi extinta, mas apenas o órgão chamado de Ouvidoria Geral estabelecido na capitania da Bahia é que foi desativada.
A ouvidoria geral estabelecida na capitania do Rio de Janeiro continuou ativa após a criação do referido tribunal.
A jurisdição em segunda instância do Tribunal da Relação do Brasil abrangia todas as capitanias, com exceção daquelas pertencentes ao Estado do Maranhão.
Ouvidoria Geral de Pernambuco
Aproximadamente no ano de 1620, foi criada uma ouvidoria geral na capitania de Pernambuco por determinação do referido Tribunal da Relação, por considerarem seus membros que essa capitania hereditária tinha necessidade de ter uma atuação presencial constante da justiça régia em seu território através de um ouvidor letrado.
A partir de então, não houve mais a nomeação de ouvidores leigos para a capitania de Pernambuco.
De 1626 a 1652, o Tribunal da Relação foi extinto, voltando a existir, durante esse período, a Ouvidoria Geral do Brasil, com sede na cidade do Salvador, atuando da mesma forma que o fazia antes da criação do referido tribunal de justiça.
A partir de 1652, o Tribunal da Relação voltou a funcionar, e a Ouvidoria Geral do Brasil foi extinta novamente; continuando a existir as outras duas ouvidorias gerais implantadas no Brasil, a do Rio de Janeiro e a de Pernambuco.
A ouvidoria geral de Pernambuco deixou de existir somente durante o período de domínio holandês sobre o seu território, que foi de 1630 a 1654; depois, voltou a funcionar normalmente.
Ouvidoria Geral da Paraíba
A Ouvidoria Geral da Paraíba foi implantada no ano de 1688, com sua sede administrativa estabelecida na cidade de Filipeia.
Diferente da ouvidoria geral de Pernambuco, que tinha jurisdição somente sobre o território pernambucano, a da Paraíba, desde a sua implantação, passou a ter jurisdição sobre o território paraibano e sobre os das capitanias do Rio Grande e do Ceará, sendo que, pouco tempo depois, passou a ter jurisdição também sobre a capitania de Itamaracá.
As primeiras comarcas do Brasil
No ano de 1696, a Coroa portuguesa resolveu atender a um pedido da Câmara da cidade de São Cristóvão, capitania de Sergipe del Rey, de criar um ouvidor letrado para a sua capitania.
A Câmara da cidade do Salvador havia defendido diante do rei a ideia de que não seria necessário se criar uma Ouvidoria Geral na capitania de Sergipe del Rey, que bastaria criar uma na cidade do Salvador, e dar ao seu ouvidor geral jurisdição sobre a capitania da Bahia e sobre a capitania de Sergipe del Rey.
Dom Pedro II, rei de Portugal e Algarves de 1687 a 1706, preferiu estabelecer duas ouvidorias gerais em vez de uma somente como lhe sugerira a Câmara do Salvador.
Assim, no referido ano, foram criadas as ouvidorias gerais de Sergipe del Rey e a da Bahia de Todos os Santos, tendo cada uma delas jurisdição sobre os territórios de suas próprias capitanias.
Acontece que, pela primeira vez na história da colônia, Sua Majestade determinava a criação de Ouvidorias Gerais em capitanias na forma de “comarcas”.
Comarca: território judicial de uma capitania
O termo “comarca” era utilizado para representar uma um território de caráter judicial de primeira instância de uma capitania; já o termo “Ouvidoria Geral” era utilizado para representar um órgão régio do poder judicial de primeira instância de uma ou de mais capitanias.
Assim sendo, a Ouvidoria Geral da comarca de Sergipe del Rey era um órgão do poder, de caráter judicial de primeira instância, da Coroa portuguesa estabelecido na capitania de Sergipe del Rey, sendo sua sede administrativa estabelecida na cidade de São Cristóvão, mesmo local onde estava localizado o órgão do poder, de caráter político e militar, da Coroa portuguesa da capitania de Sergipe del Rey.
De forma similar, a Ouvidoria Geral da comarca da Bahia de Todos os Santos era um órgão do poder, de caráter judicial de primeira instância, da Coroa portuguesa estabelecido na capitania da Bahia de Todos os Santos, sendo sua sede administrativa localizada na cidade do Salvador, mesmo local onde estavam localizados os órgãos de poder, de caráter político, militar, judicial de segunda instância e da fazenda, da Coroa portuguesa do Estado do Brasil.
Os ouvidores gerais das comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos também assumiram conjuntamente os cargos de provedores da Fazenda real das respectivas capitanias.
A jurisdição de uma Ouvidoria Geral correspondia ao território de uma ou de mais capitanias; já a jurisdição de uma comarca podia corresponder ao território de uma ou de mais capitanias ou somente a de parte de uma capitania.
Com a criação das comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos, a Coroa portuguesa demonstrou seu interesse em criar, quando necessário, mais de uma ouvidoria geral em uma mesma capitania, uma vez que, como subdivisão territorial de caráter judicial de uma capitania, uma mesma capitania podia ser subdividida judicialmente em várias comarcas.
A primeira capitania a ser subdividida em duas comarcas foi a de Pernambuco, com a criação, no ano de 1706, da comarca das Alagoas, a qual somente foi implantada no ano de 1712.
As jurisdições das comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos
A jurisdição inicial da comarca da capitania de Sergipe del Rey correspondia a todo o território da capitania de Sergipe del Rey.
Ela se estendia, pela costa, do rio São Francisco até a fronteira norte das terras de São Francisco de Itapuã, e, pelo sertão adentro, ela seguia da fronteira oeste e sul da cidade do Salvador até o rio São Francisco, seguindo ao longo desse rio, de sua foz em direção à sua nascente, até a altura da nascente do rio das Velhas.
A jurisdição da comarca da Bahia de Todos os Santos correspondia a todo o território da capitania da Bahia de Todos os Santos.
Ela se estendia, pela costa, da fronteira norte das terras de São Francisco de Itapuã até o rio Jiquiriçá, seguindo para o sertão, nessa mesma largura, até a altura da fronteira oeste da cidade do Salvador, sendo que o território da capitania de Itaparica, apesar de se encontrar entre essas duas localizadas, não pertencia à referida comarca.
O ponto central deste estudo sobre a história de Sergipe:
Uma comarca era um território de caráter judicial de primeira instância da Coroa portuguesa estabelecido numa capitania, sua jurisdição inicial correspondia exatamente à totalidade do território da capitania onde ela foi estabelecida; podendo esse território de caráter judicial ser subdividido, para a criação de outra ou outras comarcas no território de uma mesma capitania.
Dessa forma, uma capitania poderia ter mais de um ouvidor geral atuando em seu território, de modo que a justiça régia fosse melhor aplicada para sua população.
Como a comarca da capitania de Sergipe del Rey, ao ser criada, tinha sua jurisdição abrangendo todo o seu território da antiga capitania de Francisco Pereira Coutinho tanto pela costa como pelo sertão adentro, com exceção do termo da cidade do Salvador, não resta dúvidas de que o território da capitania de Sergipe del Rey correspondia exatamente ao território da antiga capitania da Bahia de Todos os Santos, a primeira.
Amplie sua visão histórica…
Você sabia que das seis primeiras vilas criadas no território da comarca de Sergipe del Rey, duas delas foram criadas, no ano de 1698, pelo Desembargador dos Agravos e Apelações, Crimes e Cíveis da Relação do Brasil Estevam Ferraz de Campos e que as outras quatro foram criadas pelo ouvidor geral e provedor na comarca de Sergipe del Rey, o bacharel Diogo Pacheco Pereira, nesse mesmo ano?!
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Fonte:
BARBOSA, Kleyson Bruno Chaves. Os “Senhores Doutores Ouvidores da Comarca da Paraíba” e os “Senhores Juízes e Oficiais do Senado da Câmara do Natal”: A Prática Judicial na Capitania do Rio Grande (1701-1759). ANPUH – Brasil – 30º Simpósio Nacional de História – Recife, 2019.
CAETANO, Antonio Filipe Pereira. “Existe uma Alagoas Colonial?” Notas Preliminares sobre conceitos de uma Conquista Ultramarina. Revista Crítica Histórica. Centro de Pesquisa e Documentação Histórica. Universidade Federal de Alagoas. Número 01 > Dossiê Ensino e História de Alagoas >
CUNHA, Mafalda Soares da e NUNES, António Castro. Territorização e poder na América portuguesa. A criação de comarcas, séculos XVI-XVIII. Tempo vol. 22 no. 39 Niterói Jan./Abr. 2016.
FRANÇA, Ivo do Prado Montes Pires de. A capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memórias sobre questões de limites (Congresso de Bello Horizonte). Rio de Janeiro, 1919.
SANTOS, Márcio Roberto Alves dos. Fronteiras do sertão baiano: 1640-1750. Universidade de São Paulo. Programa de Pós-Graduação em História Social. São Paulo, 2010.
MAPA: “Provincie dela Baia e di Sergipe”. In: SANTA TERESA, Frei João José de. Istoria dele guerre del Regno del Brasile. Roma: Stamparia degl’heredi del Corbelletti. Em 7/2/1698. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Provincie_della_baia_e_di_sergippe.jpg>. Acesso em 27 abril 2012.
Redatores e Escritores responsáveis:
Reinaldo Alves dos Santos
Gleide Selma dos Santos
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