Manequito e todas as “dimensões” da Gengibirra

Os contos de Alcova muitas vezes têm como cenários lugares inusitados, fora dos habituais espaços apropriados para os acalentados encontros. Quem imaginaria que a mescla de sal e quartzo seria o ambiente para a nossa história? Um céu estrelado, um barulho incessante de ondas e os repetidos giros de um farol, como um relógio que marca cada segundo, com luzes, ao invés dos tradicionais “tic” e “tac”.

Momentos antes, bem antes mesmo, Danadel Tasson, o amigo que me contou essa história, da qual foi um dos protagonizantes, estava numa mesa de bar com alguns amigos – na verdade colegas de trabalho, comemorando o sucesso da estreia de um novo produto, imediatamente bem aceito pelo público. Estavam todos exaurindo alegria pelos poros, destilando o que não saia na micção. Haviam no grupo homens e mulheres, até que o chefe teve uma brilhante ideia: iriam terminar a noitada no bar de Manequito, uma figura emblemática e um dos primeiros comerciantes instalados na orla da Atalaia.

manequito

Manequito

O homem de quase dois metros de altura, com os pés tamanho 46, normalmente descalços – segundo ele costume que herdara dos ancestrais africanos, era um hábil pescador e se lançava, mesmo antes dos primeiros raios de sol começarem a clarear o céu, numa pequena canoa de madeira, contra as ondas, para trazer do alto-mar os peixes que servia em seu pequeno boteco de palha. Outro diferencial era a mistura de ervas que ele colocava em suas cachaças, que faziam até o mais forte dos pinguços entrar em transe e “visitar” outras dimensões. A Gengibirra, forte e elaborada à base de gengibre, era a mais famosa de todas

Manequito era servidor da RFFSA – Rede Ferroviária Federal S/A e, ainda na década de 1950, saia para o trabalho com a lua ainda no céu. Era longe e não havia estrada, nem ponte sobre o Rio Poxim, cuja travessia era feita de canoa ou a nado. Manequito andava a pé e não usava calçados. Manequito também era um exímio tirador de coco, no passado um fruto abundante na Atalaia. Ele era analfabeto, mas dono de uma cultura ímpar. Orgulhava-se de ter prestado serviço na Segunda Guerra Mundial, por ocasião do torpedeamento de alguns navios cargueiros na costa de Sergipe, supostamente por submarinos alemães.

Epílogo

O dia já estava quase amanhecendo quando Manequito se despediu dos amigos e saiu empurrando sua canoinha para dentro da água. O grupo também resolveu comemorar a chegada do sol em alto estilo e todos foram tomar um banho de mar, ainda movidos pela mistureba alcoólica que ingeriram, para aumentar a “octanagem” do organismo e permitir que suas almas pudessem atingir todo o Universo.
Com o forte sol na cara, casal por casal começou a acordar, nada mais de beijos ou agarra agarra. Agora eram novamente amigos ou, simplesmente, colegas de trabalho. As memórias da noite anterior milagrosamente tinham sido apagadas. Todos calados, sem sequer se olharem, entraram ainda molhados e sujos de areia no Chevrolet Opala do chefe e voltaram, cada um para sua casa, com cara de arrependimento, mas todos com vontade de repetir a experiência.




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