O Recôncavo da Baía de Todos os Santos era formado por Terras de Três Capitanias
Publicado em 04/05/2021 por Gleide Selma
Governo Geral do Estado do Brasil
O recôncavo da baía de Todos os Santos era formado por terras de três capitanias, que eram a da Bahia de Todos os Santos, a de Sergipe del Rey e a do Paraguaçu, sendo que as duas primeiras eram capitanias régias e a terceira era uma capitania hereditária.
A capitania da Bahia de Todos os Santos já tinha uma unidade administrativa política municipal, estabelecida no recôncavo da baía de Todos os Santos, que era a cidade do Salvador; no entanto, as outras duas capitanias não o tinham.
Como Dom Pedro II (1683-1706) determinou a criação de três vilas no recôncavo da baía através de carta régia datada de 27 de dezembro de 1693, coube ao novo governador geral do Brasil Dom João de Lencastre (1694-1702) dar atendimento a essa determinação régia.
Contextualizando o período de criação das três vilas no recôncavo da baía
Quando o governador geral do Brasil Dom Jorge de Lencastre assumiu a administração da colônia, ele ainda demorou alguns anos para dar prosseguimento à referida determinação régia de criar as referidas vilas no recôncavo da baía de Todos os Santos.
Suas primeiras ações no governo geral foram, entre outras, mandar reparar as fortalezas da colônia e dar combate ao líder do quilombo dos Palmares, conhecido por Zumbi.
O quilombo havia sido destruído no mês de janeiro de 1694, um mês antes mesmo do referido governador geral ter tomado posse de seu cargo; mas foi sob o seu governo que o líder do referido quilombo foi morto, no mês de novembro de 1695.
Também seguiu o próprio governador geral, no ano de 1694, numa devassa realizada na região de Jacobina em busca de minas de salitre.
Como, no ano de 1693, colonos paulistas haviam encontrado indícios de ouro no sertão, em terras localizadas em paralelo à costa da capitania do Espírito Santo, o governador geral incentivou os colonos, principalmente os paulistas, a encontrarem minas de ouro na referida região para o bem da Coroa portuguesa.
De fato, foi durante o seu governo que teve realmente início a corrida ao ouro no Brasil.
Criação das comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos
Também foi durante seu governo que foram criadas, por determinação régia, as comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos no dia 13 de julho de 1696.
As demarcações territoriais das referidas comarcas foram estabelecidas pelo referido governador geral apenas pela costa, apresentando as terras de São Francisco de Itapuã como marco de divisa entre as duas comarcas.
As terras de Itapuã serviam também de marco de fronteira norte da cidade do Salvador, cujo termo media seis léguas de terra em quadra; a fronteira sul da referida cidade era o pontal da barra de Santo António, localizado na entrada norte da baía de Todos os Santos.
As três vilas criadas no recôncavo da baía de Todos os Santos por determinação régia
De acordo com a nossa historiografia, o governador geral baixou uma Provisão, datada de 20 de outubro de 1697, determinando a criação de quatro vilas no território da capitania de Sergipe del Rey, em terras localizadas entre os rios Real e o São Francisco.
O ouvidor geral da comarca de Sergipe del Rey, o doutor Diogo Pacheco Pereira, com base na referida provisão, criou as vilas de Nossa Senhora da Piedade do Lagarto, de Santo António e Almas de Itabaiana, de Vila Real de Santa Luzia e de Santo Amaro (das Brotas) entre os anos de 1698 e 1699.
O governado geral também baixou outra Provisão, datada essa de 27 de novembro de 1697, determinando a criação de três vilas com sedes administrativas localizadas no recôncavo da baía de Todos os Santos.
A criação destas vilas ficou sob a responsabilidade do Desembargador dos Agravos e Apelações, Crimes e Cíveis da Relação do Brasil Estevam Ferraz de Campos.
A primeira vila a ser criada pelo desembargador, no referido recôncavo, foi a de Nossa Senhora d’Ajuda de Jaguaripe, no território da capitania hereditária do Paraguaçú, em 15 de dezembro de 1697.
As duas outras vilas foram criadas em terras da capitania de Sergipe del Rey.
As vilas receberam por denominação “Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e São Francisco da Barra de Sergipe do Conde.
Apesar de estarem seus termos em terras da capitania e comarca de Sergipe del Rey, elas não foram criadas pelo ouvidor da comarca de Sergipe del Rey.
As duas maiores vilas criadas na colônia
Apesar das referidas vilas terem sido legalmente criadas por um desembargador do Tribunal da Relação, quem determinava os locais e os marcos de fronteira das referidas vilas era o governador geral do Estado, depois de avaliar o melhor local para tal empreendimento. Também era ele quem decidia os tamanhos das vilas.
Assim sendo, foi por ordem de Dom Pedro II de Portugal e Algarves que as vilas sergipanas tiveram suas sedes administrativas estabelecidas no recôncavo da baía, mas foi por decisão do governador geral do Brasil Dom João de Lencastre que as fronteiras das duas vilas foram estendidas para o Norte, para o Oeste e para o Leste da colônia, de modo a torná-las as duas maiores vilas em extensão territorial e em área da colônia na referida época.
A vila de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira, a maior delas, media cerca de 30 léguas de terra de largura em sua fronteira oeste e 15 léguas de terra na leste, tendo seu termo um comprimento de 20 léguas de terra aproximadamente em sua fronteira sul e cerca de 25 léguas em sua fronteira norte.
A vila de São Francisco da Barra de Sergipe do Conde tinha suas fronteiras localizadas entre o oeste e norte da cidade do Salvador e as fronteiras leste e sudeste da vila do Porto da Cachoeira.
O recôncavo da baía de Todos os Santos e o sertão sergipano
Até o presente momento, não encontramos, em nossa historiografia, nenhum documento que apresente os motivos que levaram Dom João de Lencastre a criar as duas vilas sergipanas com territórios tão extensos.
Era compreensível que as sedes das vilas fossem estabelecidas no recôncavo, pois era uma região muito povoada e rica, devido à produção de açúcar e o expansivo comércio local e entre Metrópole e colônia, sendo necessário haver, na região, unidades administrativas políticas municipais, de forma a ampliar a aplicação da justiça na região e para o adequado trato da Fazenda Real.
O que não fazia sentido algum era os termos das referidas vilas se aprofundarem do recôncavo, para o norte da colônia, pelo sertão adentro, até o rio Real, no caso da vila do Porto da Cachoeira, ou, no caso da vila de Sergipe do Conde, cuja fronteira norte adentrava pela costa até o rio Sabaúma e pelo sertão ao longo do rio Inhambupe.
O território do sertão sergipano era propício para a criação de gado, principalmente, bovina e cavalar, sendo as terras das vilas pertencentes, quase que, em sua totalidade, a apenas dois grandes sesmeiro sergipanos, membros das famílias D’Ávila e Guedes de Brito.
A hipótese mais provável para esse alongamento dos termos das referidas vilas para o sertão norte sergipano era, provavelmente, o fato dos dois principais proprietários dessas terras sertanejas mencionados, realizarem suas principais transações econômico-financeiras na cidade do Salvador, ficando, portanto, muito mais fácil para eles responderem a questões judiciais na comarca da Bahia de Todos os Santos do que na comarca de Sergipe del Rey, como acreditam alguns historiadores; mas podem ter tido outros motivos para o alargamento dos territórios das vilas sergipanas…
Subordinação judicial, civil e militar, mas não política
Apesar dos termos das vilas da Cachoeira e de Sergipe do Conde estarem localizados, física e politicamente, no território da capitania de Sergipe del Rey e do termo da vila de Jaguaripe estar localizado, física e politicamente, no território da capitania hereditária do Paraguaçú, as correições em seus territórios passaram a ser realizadas pelos ouvidores gerais da comarca da Bahia de Todos os Santos.
Como a comarca da Bahia tinha jurisdição sobre a cidade do Salvador, cujo termo era localizado no recôncavo da baía, essa comarca também passou a ter jurisdição sobre as referidas vilas da capitania de Sergipe del Rey e a da capitania do Paraguaçú.
O fato das três vilas citadas terem ficado subordinadas judicialmente à jurisdição da comarca da Bahia e de terem ficado subordinadas às jurisdições civil e militar do governo geral do Brasil não alterou o fato do governo político da capitania do Paraguaçú ter ficado subordinado ao seu donatário ou loco-tenente; de forma similar, ocorreu com as duas vilas sergipanas, as quais continuaram subordinadas ao governo político da capitania de Sergipe del Rey.
Somente a partir do ano de 1763 é que as capitanias do Paraguaçú e de Sergipe del Rey, entre outras, tiveram seus governos extintos e seus territórios anexados à capitania geral da Bahia e, portanto, subordinados politicamente ao governo da referida capitania geral.
Apesar das capitanias terem sido anexadas à capitania geral da Bahia de Todos os Santos a partir do referido ano, elas não perderam seus estatutos políticos de capitanias, passando elas somente a ter como seus governadores os próprios governadores e capitães generais da capitania da Bahia de Todos os Santos.
Com a independência total da capitania de Sergipe del Rey do governo da capitania geral da Bahia de Todos os Santos, no dia 08 de julho de 1820, todas as vilas sergipanas subordinadas às jurisdições das comarcas da Bahia de Todos os Santos e de Jacobina deixaram de ser subordinadas às jurisdições civil, militar e política do governo da capitania geral da Bahia de Todos os Santos, ficando subordinadas somente aos governos político, civil, militar, judicial e da fazenda sergipanos.
O ponto central deste estudo sobre a história de Sergipe:
A capitania de Francisco Pereira Coutinho foi criada no dia 5 de abril de 1534; em 1536, ela passou a ser chamada de capitania da Bahia de Todos os Santos e, em 1591, ela passou a ser chamada de capitania de Sergipe del Rey.
De 1534 a 1548, essa capitania era uma capitania hereditária; a partir de então, ela se tornou uma capitania régia.
Ao se tornar uma capitania régia, a doação de sesmarias na então capitania da Bahia de Todos os Santos, durante o período de 1549 a 1590, foi condicionada à autorização régia, não podendo o governador geral do Estado do Brasil doar sesmarias sem a autorização prévia do rei num primeiro momento; num segundo momento, os próprios reis de Portugal e Algarves começaram a doar as referidas sesmarias .
Foram doadas, nesse período, sesmarias a pessoas próximas dos reis de Portugal e Algarves, como o seu conselheiro pessoal Dom António de Ataíde; os seus secretários pessoais Duarte Dias e Miguel de Moura; o governador geral Tomé de Sousa, o qual a doou ou vendeu ao seu parente Garcia d’Ávila; o governador geral Luís de Brito de Almeida; o governador geral interino João de Brito de Almeida, que assumiu o governo geral quando seu pai viajou para lutar na capitania da Paraíba contra nativos americanos locais e seus aliados franceses; o governador geral interino Cristóvão de Barros, que a doou ao seu filho Antônio Cardoso de Barros; o almotacê-mor do reino Fernão Rodrigues de Castelo Branco, que a doou ao filho do governador geral do Brasil Mem de Sá; o chanceler-mor do Estado da Índia Francisco Toscano, que a doou ao seu irmão Brás Fragoso; e o ouvidor geral do Brasil Brás Fragoso.
No período de 1594 a 1623, coube aos capitães e governadores da capitania de Sergipe del Rey a atribuição de doar sesmarias nas terras sergipanas.
Foram doadas no referido período pouco mais de 200 sesmarias na capitania de Sergipe del Rey, sendo que quase sua totalidade foi doada em terras localizadas entre o lado esquerdo do rio Real e o lado direito do rio São Francisco pela costa, estendendo-se para o sertão até a altura da nascente do rio Real e ao longo da Serra Negra, até se chegar, ao rio São Francisco na altura da Cachoeira do Sumidouro, também conhecida como cachoeira da Forquilha (atual cachoeira de Paulo Afonso), localizada no lado esquerdo do referido rio.
As terras localizadas do lado direito do rio real até as terras de São Francisco de Itapuã, pela costa, rumando pelo sertão adentro da fronteira oeste da cidade do Salvador até a nascente do Rio Real eram quase em sua totalidade sesmarias adquiridas por descendente do colono sergipano Garcia d’Ávila.
Três anos após a expulsão dos holandeses da capitania de Sergipe del Rey, no ano de 1648, ao ano de 1663, foram doadas sesmarias no grande sertão sergipano, seguindo ao longo do lado esquerdo do rio São Francisco, dos lados esquerdo e direito da foz do rio Salitre, compreendendo as referidas sesmarias doadas na referida região a largura de 50 léguas de terras pelos sertão adentro, rumando para o mar.
A partir de 1663, as sesmarias em terras sergipanas passaram a ser doadas apenas pelos governadores gerais ou vice-reis do Brasil.
Duas vilas sergipanas foram criadas por um desembargador do Tribunal da Relação do Brasil no ano de 1698, compreendendo os termos das duas vilas mais de 50% das terras sergipanas localizadas pela costa da referida capitania, rumando para o sertão até a foz do rio Jacuípe e à foz do rio Real.
Por ficarem subordinadas judicialmente à comarca da Bahia desde a suas criações e não à comarca de Sergipe del Rey, devido à proximidade de suas sedes administrativas à sede administrativa da comarca da Bahia, a cidade do Salvador; elas também ficaram subordinadas civil e militarmente ao governo geral do Brasil, mas continuaram pertencendo politicamente à capitania de Sergipe del Rey.
Amplie sua visão histórica…
Você sabia que muitas vezes os governadores ou capitães-mores de capitanias, entre outros representantes régios na colônia, exerciam muitas vezes as atribuições de seus cargos, ofícios e postos baseados nos costumes de seus antecessores em vez de exercê-las com base em diretrizes da lei régia; e que mesmo governadores gerais ou vice-reis governavam, algumas vezes, pelo direito costumeiro, a ponto de não darem atenção à lei formal da Coroa portuguesa em determinadas situações?!
A saga continua…
Conheças as mais incríveis histórias
Fonte:
BARBOSA, Mateus Torres. Histórico do Município de Maragojipe. Carnaval de Maragojipe, Cadernos do IPAC, 3. Salvador – Bahia, 2010
BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos – 1663-1677. Correspondencia dos Governadores Gerais e Regimento dado ao Governador Roque Barreto. Augusto Porto & C. – Rio de Janeiro, 1928. v. VI da Série E IV dos Docs. Da Bib. Nac. CODICE 1 – 4, 1, 41.
FLEXOR, Maria Helena O (Coordenadora); LACERDA, Ana Maria; SILVA, Maria Conceição da Costa e; CAMARGO, Maria Vidal de Negreiros. O Conjunto do Carmo da Cachoeira. Programa Monumento do IPHANMinC, novembro de 2007.
FRANÇA, Ivo do Prado Montes Pires de. A capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memórias sobre questões de limites (Congresso de Bello Horizonte). Rio de Janeiro, 1919.
MARQUES, Marisa Pires. Mem de Sá: Um Percurso Singular no Império Quinhentista Português. Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH). Universidade Nova de Lisboa. Tese de Doutoramento em História dos Descobrimentos e da Expansão Portuguesa. Lisboa, março de 2017.
NEVES, Juliana Brainer Barrosos. Colonização e Resistência no Paraguaçu – Bahia, 1530 – 1678. Universidade Federal da Bahia. Programa de Pós-Graduação em História. Curso de Mestrado em História Social. Recife, 2008.
RICUPERO, Rodrigo. A formação da elite colonial: Brasil, c.1530 – c. 1630. São Paulo: Alameda, 2009.
SANTOS, Felix Souza. O Pão Nosso de Cada Dia: A Farinha de mandioca na Cidade da Bahia e Sua lavoura no Vale do Copioba no Recôncavo Baiano. Universidade Católica do Salvador. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação. Salvador, 2018.
SILVA, Luís Cláudio Requião da. Paisagem Cultural do Recôncavo Baiano: uma Narrativa Espacial Regional a partir da Análise do Patrimônio Urbano. Universidade de Brasília. Pós-Graduação em Geografia. Brasília – DF, Junho/2015.
MAPA do recôncavo da baía de Todos os Santos, com destaque para as capitanias de Sergipe del Rey, da Bahia de Todos os Santos e do Paraguaçu. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Rec%C3%B4ncavo_baiano>. Acesso em 28 abril 2021.
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