Duas capitanias com o mesmo nome
Publicado em 15/02/2021 por Gleide Selma
Duas capitanias da “Bahia de Todos os Santos”
Duas capitanias com o mesmo nome, no período colonial, pode parecer estranho, à primeira vista, mas a capitania da Bahia de Todos os Santos não foi a única a apresentar essa peculiaridade em nossa historiografia.
Duas capitanias de “São Vicente”
Também houve em nossa história nacional, duas capitanias de São Vicente.
A primeira pertenceu aos herdeiros-donatários do fidalgo Martim Afonso de Sousa, e a segunda aos herdeiros-donatários do fidalgo Pero Lopes de Sousa.
A “primeira capitania de São Vicente” manteve essa denominação de 1535 até o ano de 1624, quando sua sede de governo foi transferida para Vila de Itanhaém, passando, então, ela a ser chamada de Capitania de Itanhaém.
A “segunda capitania” a receber a denominação “São Vicente” foi a antiga “Capitania de Santo Amaro”, cuja sede de governo foi transferida para vila de São Vicente, no ano de 1623, passando, a parir de então, a ser chamada de “Capitania de São Vicente”.
Processo similar a esse ocorreu com a Capitania de Todos os Santos no ano de 1591.
A primeira capitania da Bahia
A primeira capitania da Bahia de Todos os Santos foi criada oficialmente no dia 5 de abril de 1534, data essa da redação da carta de doação da capitania e governança de uma das subdivisões territoriais portuguesas na América ao fidalgo Francisco Pereira Coutinho.
Baía de Todos os Santos
A referida capitania, chamada inicialmente de capitania de Francisco Pereira Coutinho, após seu donatário ter construído uma povoação e fortaleza, para servir de sede de seu governo, às margens das águas da baía de Todos os Santos, passou a ser chamada de “Capitania da Bahia de Todos os Santos”.
Extinguindo o governo hereditário da capitania da Bahia de Todos os Santos
Após a morte de Francisco Pereira Coutinho, no ano de 1547, Dom João III decidiu não aprovar a transferência da capitania e governança da subdivisão territorial denominada “Bahia de Todos os Santos” ao herdeiro primogênito do referido donatário, cujo nome era Manuel Pereira Coutinho; preferindo deixar a cargo da Coroa portuguesa a nomeação de capitães e governadores temporários para administrarem o referido território a partir de então.
Capitania De Sua Majestade
O mapa das capitanias hereditárias originais, desenhado, aproximadamente entre os anos de 1597 e 1602, pelo cartógrafo português Luís Teixeira, apresenta-nos os nomes atualizados de sete donatários dessa época e o título de nobreza de outro deles; já, no espaço correspondente à capitania da Bahia de Todos os Santos, estava registrada, na referida cartografia, a locução adjetiva indicativa de que o Senhorio da referida capitania era “De Sua Majestade”.
Outras capitanias régias na época
Apesar de haver, nesse mesmo período, outras subdivisões territoriais cujas capitanias e governanças originais haviam sido revertidas para a Coroa portuguesa nesse mesmo período, como a que pertencera ao fidalgo António Cardoso de Barros, a única capitania povoada era a De Sua Majestade, estando nela instalada a sede do governo geral do Estado do Brasil, na Cidade do Salvador, e nela também estava localizada a maior baía da colônia, chamada de “Todos os Santos”.
Cidades: sedes de governo régio
Quando foi criada a Cidade de São Cristóvão em território da capitania De Sua Majestade, no ano de 1591, por não poder haver duas ou mais cidades numa mesma capitania, uma vez que essas unidades político-militares serviam de sedes de governo apenas de capitanias régias, a cidade do Salvador foi transformada em capitania, sendo seu termo desmembrado do território da antiga capitania da Bahia de Todos os Santos, então chamada de capitania de Sergipe del Rey.
Situação similar a essa veio a ocorrer quando foi criada a Cidade de São Sebastião, no ano de 1567, no território da capitania hereditária de São Vicente; seu termo foi desmembrado da referida capitania e transformado em uma capitania régia, que passou a ser chamado de “capitania do Rio de Janeiro”.
Esse desmembramento ocorreu por não poder haver cidade em território de capitania hereditária.
A cidade de São Sebastião e a cidade do Salvador tornaram-se, a partir de 1572, sedes do Governo Geral do Estado do Brasil, sendo que a do Salvador permaneceu como sede da Repartição Norte e a de São Sebastião, da Repartição Sul.
No ano de 1577, a cidade de São Sebastião voltou a ser apenas sede de governo da capitania régia do Rio de Janeiro; a do Salvador continuou sendo a sede do Governo Geral do Estado do Brasil.
Capitania de Sergipe del Rey
Quando a cidade de São Cristóvão se tornou a nova sede de governo da capitania da Bahia de Todos os Santos, por estar ela localizada, a partir de 1591, na proximidade do rio Sergipe, a referida capitania teve seu nome alterado para Sergipe del Rey.
O fato da capitania da Bahia de Todos os Santos ter tido agregado ao seu novo nome “Sergipe” o termo “del Rey” deve ter motivado o cartógrafo Luís Teixeira a registrá-la, em seu mapa das capitanias hereditárias (1597-1602), como sendo a capitania De Sua Majestade, uma vez que a referida capitania recebeu a denominação “Sergipe del Rey” no ano de 1591, ou seja, antes do referido mapa ter sido criado.
A Segunda capitania da Bahia
Quando o termo da Cidade do Salvador foi desmembrado da capitania de Sergipe del Rey, ela se tornou a segunda capitania a receber o nome de Bahia de Todos os Santos, por estar sua sede de governo localizada na proximidade da baía de Todos os Santos.
O território da segunda capitania da Bahia de Todos os Santos, a princípio, abrangia seis léguas de terra em quadra, correspondente ao tamanho do termo da cidade.
As fronteiras leste e sul da cidade-capitania do Salvador Bahia de Todos os Santos tinham como marcos de fronteira, respectivamente, o Oceano Atlântico e a baía de Todos os Santos; sua fronteira norte se estendia até a fronteira norte das terras de São Francisco de Itapuã, e sua fronteira oeste se estendia até as terras continentais que ficavam paralelas ao extremo leste da ilha de Maré, sendo essa ilha localizada na baía de Todos os Santos.
Erro de Interpretação
Devido a um erro de interpretação do governador geral Mem de Sá (1558-1572) e do Ouvidor Geral e Provedor-Mor do Brasil Brás Fragoso, foi anexada à capitania da Bahia de Todos os Santos, durante o seu governo, um trecho de terras localizado entre a barra do rio Jaguaripe e a ilha de Tinharé, trecho de terras esse localizado no território da capitania de Ilheus, de acordo com a carta de doação de Jorge Figueiredo Correia.
Esse trecho, de acordo com a Câmara da cidade do Salvador, pertencia à capitania da Bahia de Todos os Santos.
Posição essa aceita pelo referido governador geral e pelo ouvidor geral e provedor-mor do Brasil de então; no entanto, tais terras pertenciam, de fato, à capitania de Ilheus.
Apesar dessa porção de terras ter sido incorporada à segunda capitania da Bahia, ou seja, ao território do termo da cidade do Salvador, ela pertencia, de acordo com Mem de Sá e Brás Fragoso, à primeira capitania da Bahia.
Acontece que, durante a administração do referido governador geral, o trecho de terras da capitania de Ilheus havia sido incorporado ao território da primeira capitania da Bahia, que, no caso, a partir de 1591, passou a ser chamada de capitania de Sergipe del Rey.
Em 1696, o referido trecho de terras da capitania de Ilheus incorporado à capitania da Bahia de Todos os Santos (a segunda com esse nome) havia sido reduzido para as terras próximas à costa, localizadas entre os rios Jaguaripe e Jiquiriçá.
Com essa interpretação equivocada, a segunda capitania da Bahia de Todos os Santos passou a ter, a partir de 1591, como território o termo da cidade do Salvador e a porção de terras da antiga capitania de Ilheus.
Porção de terras essa que, juntamente com a baía de Todos os Santos, essa de acordo com a carta de doação de Francisco Pereira Coutinho, pertencia, de fato, à capitania de Sergipe del Rey.
O ponto central deste estudo sobre a história de Sergipe:
Essa informação de que houve duas capitanias da Bahia de Todos os Santos em nossa história não nos foi apresentada, até o presente momento, como verdadeira pelo MEC; mas temos um artigo acadêmico do engenheiro Jorge Pimentel Cintra, professor da USP, chamado de “As capitanias hereditárias no mapa de Luís Teixeira”, publicado em 2015, no qual ele afirma que: “… Tomé de Sousa governava uma capitania-cidade, com seis léguas de termo”, ou seja, a cidade do Salvador.
O professor Cintra não se refere à capitania de Sergipe del Rey nesse seu artigo, mas sua narrativa histórica sobre a cidade do Salvador ser uma capitania corrobora com a visão por nós apresentada neste texto histórico.
Também não encontramos, em nossa historiografia, nenhuma menção ao fato de que uma porção de terras da antiga capitania de Ilheus e a baía de Todos os Santos pertenciam à capitania de Sergipe del Rey e não à capitania da Bahia de Todos os Santos, a segunda com esse nome.
Amplie sua visão histórica…
Você sabia que a subdivisão territorial cuja capitania e governança foi doada ao fidalgo Francisco Pereira Coutinho tinha uma extensão de 50 léguas de terra ao longo da costa e que essa mesma largura deveria ser mantida pelo sertão adentro, de acordo com a sua carta de doação; e que o capitão-mor da capitania de Sergipe del Rey Jerônimo de Albuquerque, no ano de 1657, doou uma sesmaria à Família de Garcia d’Ávila em seu território, no sertão, medindo 50 léguas de largura, estendendo-se ela do médio São Francisco rumo ao mar, nessa mesma largura, confirmando que a capitania de Francisco Pereira Coutinho, também chamada de capitania da Bahia de Todos os Santos e de capitania de Sua Majestade, era a mesma capitania de Sergipe del Rey?!
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Fonte:
ADAN, Caio Figueiredo Fernandes. Cartografia de um “engano”: Navegabilidade e integração territorial na Bahia colonial. Universidade Estadual de Feira de Santana – Departamento de Ciências Humanas e Filosofia. Anais do I Simpósio Brasileiro de Cartografia Histórica, 2011.
CINTRA, Jorge Pimentel. As capitanias hereditárias no mapa de Luís Teixeira. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 23, n. 2, July/Dec. 2015.
LEME, Pedro Taques de Almeida Pais. HISTÓRIA DA CAPITANIA DE SÃO VICENTE – Com um esforço biográfico do autor por Afonso de E. Taunay. Edições do Senado Federal – Vol. 25. Brasília, 2004.
SANTOS, Vilaça dos Santos. A fundação da “cidade-capitania” do Rio de Janeiro e a Repartição do Sul: notas sobre administração colonial. 20 – Cadernos do Desenvolvimento Fluminense, Rio de Janeiro, N.7, pp. 5 – 20, jan./jun. 2015.
Redatores e Escritores responsáveis:
Reinaldo Alves dos Santos
Gleide Selma dos Santos
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