“Benzer, é uma opção para curar”.

 

No último episódio do Cultura Sergipana Podcast, que conta duas histórias de “Seu Robusto” pressentindo armadilhas através de seu conhecimento das rezas fortes, Reinaldo Alves, pesquisador, historiador e escritor da História do Brasil e de Sergipe, comenta sobre as Benzedeiras e sua relação com essas rezas, sendo uma das responsáveis por manter essa tradição viva.

Por isso, trazemos um trecho do artigo do Jornal do Commercio de Recife, do ano de 1989, onde Carlos Labril escreve sob o título “Benzer, é uma opção para curar”.

Benzer, é uma opção para curar
Trecho do artigo do Jornal do Commercio de Recife, do ano de 1989, onde Carlos Labril escreve sob o título “Benzer, é uma opção para curar”.

 

“Ela é uma versátil cientista popular, conhece rezas, ervas, mensagens, chás e simpatias. Combina traços místico-religiosos a truques de magia e conhecimentos de medicina do povo e constrói assim, dia-a-dia, um discurso que procura oferecer respostas às doenças e às aflições, tanto do corpo como da alma. Fruto de uma sociedade que produz estratégias distintas para resolver problemas diversos e explicar até mesmo a nossa existência enquanto matéria, as benzedeiras ou rezadeiras, como são largamente conhecidas no Nordeste, curam mau-olhado, espinhela caída, problemas conjugais e todo ou qualquer tipo de “encosto”.

Munidas de “rezas fortes” ou jaculatórias, que geralmente são oferecidas ao santo de devoção, e manipulando ramos, em sinal de cruz, de arruda ou pimenta malagueta, a benzedeira é ainda hoje uma das maiores e mais baratas opções para os males e aflições da maioria das populações brasileiras – inclusive a Organização Mundial da Saúde fez, recentemente, uma recomendação aos países subdesenvolvidos para uma maior valorização dos seus curandeiros, como meta para resolverem seus problemas de saúde até o ano de 2000.

 […] Os variados modos de produzir benção implicam formas diferenciadas de saber-fazer esse ato, às vezes um ofício, como é o caso das benzedeiras populares. Saídas geralmente do meio rural, onde atendiam casos que envolviam desde o benzimento de um animal acometido de “bicheira” até rezas para tornar prósperas as plantações, as benzedeiras são facilmente encontradas atualmente em praticamente todas as cidades do interior, e até mesmo nas capitais.

Donas de um saber empírico e reunindo em sua pessoa qualidades de conselheira, rezadeira, e ervateira, e que as populariza em seu meio, as rezadeiras possuem, antes de tudo, uma concepção de fé bem acentuada, algumas acreditam até serem possuidoras de um dom especial que, aliado a todo um aprofundamento de manobras corporais e técnicas de concentração, irradiação, vivência e iluminação passadas de pai para filho, ao longo de várias gerações, as leva a produzir curas mirabolantes e até certo modo acreditadas por boa parte das pessoas.

Para o antropólogo e folclorista Souto Maior, a existência das benzedeiras somente legitima o apelo místico-religioso tão facilmente encontrado na maioria da gente brasileira, e explica: “Toda vez que encontramos uma resposta acerca do sobrenatural, esta resposta implica num emaranhado de outras tantas perguntas, algumas com resposta e outras não”. E aproveita para contar um caso em que ele próprio foi envolvido. Conta Souto que um dos seus filhos, quando tinha dois anos de idade, foi acometido de uma doença cuja origem era desconhecida dos médicos por ele procurados. Foi então que a sua esposa contratou os serviços de uma benzedeira. “Eu vi quando o galho de arruda murchou, ao mesmo tempo em que meu filho levantava a cabeça sorrindo”.”

As benzedeiras e suas rezas fazem parte da nossa cultura há muito tempo, e ainda hoje podemos encontrá-las principalmente nas cidades mais afastadas das capitais, onde, normalmente, as tradições ancestrais continuam mais preservadas.

Por isso, a partir do decreto 3.551/2000 do IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o ofício de benzer foi reconhecido como cultura imaterial. Dessa forma, busca-se fortalecer a existência dessas práticas.

Agnaldo Cuoco Portugal, especialista em filosofia da ciência e da religião e professor do Departamento de Filosofia da Universidade de Brasília (UnB) explica, em uma entrevista para o Correio Braziliense, em 2018, que a manutenção de tradições e ritos religiosos é uma forma que a humanidade adotou para superar o efeito destrutivo da passagem do tempo; a tradição pode ser algo revolucionário no tempo em que estamos vivendo. Ela não se trata da manutenção do passado, é uma forma de renovação do presente.

E é com este mesmo intuito que o trabalho desenvolvido por Reinaldo Alves, com o programa Moreh do Brasil, e mais especificamente com o projeto Cultura Sergipana, atua: com o objetivo de resgatar o conhecimento de nossa cultura ancestral.

Então, fica a dica: acompanhem os episódios do Cultura Sergipana Podcast que quinzenalmente traz novas histórias de personagens reais que conheciam sobre as rezas fortes e as usavam no seu dia a dia!

 

Artigo:  Kin Marchette, publicado em 23/05/2021


 

Fontes de Pesquisa:

BRASIL. DECRETO Nº 3.551, de 4 de Agosto de 2000. Institui o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial.

CORREIO BRAZILIENSE. Benzedeiras atraem pessoas de diversas religiões em busca de paz espiritual. Seção cidades, 2018. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2018/04/29/interna_cidadesdf,677065/benzedeiras-atraem-pessoas-de-diversas-religioes-em-busca-de-paz.shtml>. Acesso em: 22/05/2021.

LABRIL, Carlos. Benzer, é uma opção para curar. Jornal do Commercio, Caderno InteriorSertão, Sab. 27 de maio de 1989, Recife. Disponível em: Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular <http://www.cnfcp.gov.br/interna.php?ID_Secao=62>. Acesso em: 22/05/2021.

 

Redatores e Escritores responsáveis:

Reinaldo Alves dos Santos
Gleide Selma dos Santos

 

O material contido nesta página pode ser utilizado no todo ou em parte, desde que não tenha fins comerciais e que sejam observados os critérios de citação do autor, e do veículo.

 

 




PUBLICIDADE PATROCINADA