Os marcos de fronteira da capitania de Francisco Pereira Coutinho

 

Os marcos de fronteira das capitanias hereditárias foram estabelecidos, ao longo da costa, através de acidentes geográficos catalogados por cartógrafos portugueses; além das formas de relevo, também era utilizada, para se estabelecer as divisas das referidas capitanias, a sua extensão em léguas de terra.

 

Em alguns casos, somente um dos dois marcos de fronteira de uma capitania era apresentado por um acidente geográfico nas cartas de doações, servindo esse de referência para se estabelecer o outro marco; era justamente a extensão da referida subdivisão territorial política portuguesa na América que permitia ao donatário estabelecer o segundo marco de sua fronteira pela costa.

 

A extensão da subdivisão territorial política portuguesa em léguas de terra também foi o mecanismo utilizado pela Coroa portuguesa para que os donatários pudessem demarcar as fronteiras de suas capitanias pelo sertão adentro, uma vez que não era possível fazê-lo através de acidentes geográficos, pois eles, no interior do território colonial português no Novo Mundo, eram desconhecidos dos portugueses na época de suas concessões.

 

A subdivisão territorial política da América portuguesa cuja capitania e governança foi doada ao fidalgo Francisco Pereira Coutinho tinha uma extensão de 50 léguas de terra ao longo da costa, pouco mais pouco menos, e, portanto, era essa mesma largura que deveria ser mantida, pelo sertão adentro, para se estabelecer as fronteiras de sua capitania.

 

Assim sendo, os acidentes geográficos que estabeleciam as fronteiras norte e sul da capitania de Sergipe del Rey pela costa eram, respectivamente, o rio São Francisco e a ponta da baía de Todos os Santos, servindo os mesmos para balizarem, juntamente com a sua extensão em léguas de terra pela costa, as fronteiras norte e sul da referida subdivisão territorial pelo sertão adentro.

 

Quando a capitania e governança de Francisco Pereira Coutinho foi revertida para a Coroa portuguesa, no ano de 1548, os marcos de fronteira e a largura pela costa e pelo sertão adentro da subdivisão territorial sob a sua jurisdição foram mantidas, uma vez que a carta de doação não foi revogada, apenas se mudou a forma de se nomear seus capitães e governadores e o fato de todo o território poder ser doado na forma de sesmaria, uma vez que os 20% do território da referida subdivisão territorial pertencente ao donatário deixaram de ser a ele vinculados, uma vez que deixou de existir, nessa subdivisão territorial, a imagem de donatário.

 

Capitania de Sua Majestade

 

A subdivisão territorial política cuja capitania e governança pertenceu, até o ano de 1548, ao fidalgo Francisco Pereira Coutinho, após ter sido revertida para a Coroa Portuguesa, ficou do referido ano até 1591 subordinada diretamente ao rei.

 

Dom João III não nomeou nenhum súdito ao cargo de capitão e governador da referida capitania, deixando a cargo do governador geral do Estado do Brasil a jurisdição parcial de seu território.

 

No ano de 1590, Sua Majestade determinou ao governador geral do Brasil Tomé de Sousa que criasse uma povoação e fortaleza no território da antiga capitania de Francisco Pereira Coutinho, também chamada de capitania da Bahia de Todos os Santos, para que dela ele pudesse dar apoio a todas as demais capitanias do então Estado do Brasil.

 

Essa povoação foi elevada à categoria de cidade logo após a construção de sua fortaleza e povoação, no ano de 1549, passando a mesma a ser chamada de cidade do Salvador.

 

O termo dessa cidade, ou seja, seu território, abrangia uma área de seis léguas de terra em quadra, tendo ela como marco de sua fronteira leste o Oceano Atlântico e como marco de sua fronteira sul as terras banhadas pelas águas da baía de Todos os Santos.

 

Essa cidade se tornou sede do Governo Geral do Estado do Brasil.

 

De 1549 a 1591, os governadores gerais do Brasil tiveram jurisdição parcial sobre a capitania da Bahia de Todos os Santos; não podendo eles doarem sesmarias em seu território sem prévia aprovação dos reis de Portugal e Algarves.

 

Somente lhes foi permitido doarem sesmarias no termo da cidade do Salvador, nas ilhas de Itaparica e de Tamarandiva e na porção de terras chamada por Dom João III, no regimento dos governadores gerais do estado do Brasil levado para a América por Tomé de Sousa, de “terra da Bahia”, porção de terras essa localizada entre os rios Paraguaçu e Jaguaripe.

 

O primeiro capitão e governador da capitania da Bahia de Todos os Santos, chamado Tomé da Rocha, somente foi nomeado por Dom Filipe I no ano de 1591.

 

De 1549 a 1591, os reis de Portugal e Algarves doarem apenas cerca de dez sesmarias no território da capitania da Bahia de Todos os Santos, as quais juntas abrangiam a quase totalidade do território da referida capitania pela costa, estendendo-se elas das terras de São Francisco de Itapuã até o rio São Francisco e, pelo sertão adentro, abrangendo terras localizadas do lado esquerdo do rio Paraguaçu e aquelas localizadas após as fronteiras oeste da cidade do Salvador, as quais eram banhadas pelas águas da baía de Todos os Santos.

 

A partir de 1591, a capitania da Bahia de Todos os Santos, pertencente à Sua Majestade, passou a ter uma sede governo estabelecida na recém-criada cidade de São Cristóvão. Desse momento em diante, a referida capitania passou a ser chamada de capitania de Sergipe del Rey.

 

Nesse mesmo ano, a cidade do Salvador, sede do Governo Geral do Estado, foi elevada à categoria de cidade-capitania, passando ela a ser chamada de capitania da Bahia de Todos os Santos.

 

Sesmarias doadas por capitães e governadores da capitania de Sergipe del Rey

 

De 1594 a 1623, foram doadas mais de duas centenas de sesmarias nas terras da capitania de Sergipe del Rey localizadas, pela costa, entres os rios Inhambupe e Sabaúma até o rio São Francisco por seus capitães e governadores.

 

Pelo sertão do rio São Francisco, sesmarias somente começaram a ser doadas após a expulsão dos holandeses do território sergipano, fato esse ocorrido somente no ano de 1645.

 

Sesmaria doada à Família d’Ávila

 

Três anos depois da expulsão dos holandeses do território sergipano, que ocorreu em 1645, a cidade de São Cristóvão voltou a ser povoada, e os capitães-mores da capitania de Sergipe del Rey voltaram a doar sesmarias em seu território.

 

Duas grandes sesmarias foram doadas, no sertão sergipano, ao padre António Pereira, pelos capitães-mores da capitania de Sergipe del Rey Balthazar de Queiróz da Serqueira (1648-1651) e João Ribeiro Vila Franca (1651-1654).

 

A segunda dessas sesmarias se estendia, ao longo do rio São Francisco, por 20 léguas de terra, seguindo da barra do rio Salitre para o Sul da colônia e rumando para o Norte, ao longo do rio São Francisco, até o encontro dessa sesmaria com a primeira sesmaria doada ao referido padre.

 

A extensão dessas duas sesmarias, rumando para a costa, alcançava a nascente do rio Real, abrangendo um vasto território sergipano.

 

No ano de 1657, o capitão-mor da capitania de Sergipe del Rey, Jerônimo de Albuquerque (1657-1659), doou outra sesmaria ao padre António Pereira, mas dessa vez o pedido era para ele, para seu sobrinho e cunhado Garcia d’Ávila e para os filhos desse, Francisco Dias d’Ávila, Catarina Fogaça e Bernardo Pereira.

 

Cada um dos cinco beneficiados com a referida sesmaria recebeu 10 léguas de terra de largura, no sertão, tendo todas elas como suas fronteiras oeste as águas do médio São Francisco.

 

A primeira delas se situava logo em sequência da fronteira sul da segunda sesmaria do padre António Pereira, cuja fronteira sul se encontrava a 20 léguas de terra de distância da foz do rio Salitre.

 

As demais sesmarias se situavam após essa, de forma sequencial, rumando para o sul da colônia, sempre respeitando como marco oeste de fronteira de cada uma delas o rio São Francisco.

 

Do médio São Francisco, essas 50 léguas de terra de largura se estendiam em direção ao mar até se encontrarem com fronteiras de outras sesmarias e com as da capitania da Bahia de Todos os Santos, em suas fronteiras norte e oeste.

 

Essa sesmaria sozinha já abrangia a largura de 50 léguas de terra de extensão estabelecida pelo sertão adentro pela carta de doação ao fidalgo Francisco Pereira Coutinho.

 

Além disso, essa sesmaria e as outras duas doadas ao padre António Pereira demonstram que todas as três tinham como seus marcos de fronteira oeste o rio São Francisco, rio esse estabelecido como um dos marcos de fronteira tanto da capitania de Francisco Pereira Coutinho (capitania de Sergipe del Rey) como da capitania de Duarte Coelho Pereira (capitania de Pernambuco e de Alagoas).

 

Esses fatos confirmam que a capitania de Francisco Pereira Coutinho, também chamada de capitania da Bahia de Todos os Santos, era, legalmente e de fato, a capitania de Sergipe del Rey.

 

O ponto central deste estudo sobre a história de Sergipe:

 

A existência de duas capitanias da Bahia de Todos os Santos em nossa história, sendo que a maior delas passou a ser chamada de capitania de Sergipe del Rey é reforçada pelo fato de três capitães-mores da capitania de Sergipe del Rey terem doado, entre os anos de 1648 e 1657, três sesmarias a colonos sergipanos da Família d’Ávila cuja abrangência conjunta de seus territórios equivalia a mais de 50 léguas de terra de largura pelo sertão sergipano, seguindo do médio São Francisco, rumo ao mar, até as fronteiras oeste e norte da cidade do Salvador e até a nascente do rio Real.

 

A extensão e área dessas três sesmarias somadas às demais doadas em território sergipano, pela costa, seguindo do rio São Francisco à ponta da baía de Todos os Santos, com exceção do termo da cidade do Salvador, compreendiam toda a subdivisão territorial político-administrativa cuja capitania e governança foi doada ao fidalgo Francisco Pereira Coutinho tanto pela costa como pelo sertão adentro.

 

Amplie sua visão histórica…

 

Você sabia que as primeiras comarcas criadas na colônia foram a de Sergipe del Rey e a da Bahia de Todos os Santos (a segunda com esse nome) e que o documento que as criou, no ano de 1696, estabelecia suas jurisdições, sendo que a de Sergipe del Rey se estendia, pela costa, do rio São Francisco até a fronteira norte das terras de São Francisco de Itapuã e a da Bahia de Todos os Santos se estendia, pela costa, dessa localidade até o rio Jiquiriçá, e que o termo da cidade do Salvador começava, pela costa, justamente na fronteira norte das terras de São Francisco de  Itapuã e se estendia até a ponta da baía de Todos os Santos, demonstrando que a capitania de Sergipe del Rey era todo o território da antiga capitania de Francisco Pereira Coutinho, com exceção do termo da cidade do Salvador?!

 

A saga continua…

 

Fonte:

 

BIBLIOTECA NACIONAL. Documentos Históricos – Provisões, alvarás e sesmarias (1656-1659). Rio de Janeiro: Typografia Monroe, 1930. v. XIX da série E XVII dos docs.

 

CINTRA, Jorge Pimentel. As capitanias hereditárias no mapa de Luís Teixeira. Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, São Paulo, v. 23, n. 2, July/Dec. 2015.

 

FRANÇA, Ivo do Prado Montes Pires de. A capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memórias sobre questões de limites (Congresso de Bello Horizonte). Rio de Janeiro, 1919.

 

Regimento que levou Tomé de Souza governador do Brasil, Almerim, 17/12/1548, Lisboa, AHU, códice 112, fls. 1-9.

 

Redatores e Escritores responsáveis:

Reinaldo Alves dos Santos
Gleide Selma dos Santos

 

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