A Vila de uma Capitania podia ser criada pelo Ouvidor Geral da Comarca de outra Capitania
Publicado em 21/05/2021 por Gleide Selma
Vilas politicamente pertencentes a uma capitania, mas judicialmente pertencentes a outra
A vila de uma capitania podia ser criada pelo ouvidor geral da comarca de outra capitania, passando, inclusive, essa vila a ser subordinada judicialmente a essa comarca e civil e militarmente ao governo dessa outra capitania, mesmo pertencendo politicamente à outra capitania.
Esse tipo de situação ocorria sempre por uma questão de logística, ou seja, pela proximidade da vila de uma capitania à comarca de outra capitania.
Exemplo desse tipo de caso, temos na criação da vila de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas do Araçuaí pelo ouvidor e provedor da comarca mineira de Serro Frio, o doutor António Ferreira do Valle e Mello, no dia 02 de outubro de 1730.
As terras dessa vila pertenciam politicamente ao território da capitania de Sergipe del Rey, mas ficaram subordinadas judicialmente à comarca mineira de Serro Frio e civil e militarmente ao governo da capitania de Minas Gerais.
Quando de sua criação, seu território foi desmembrado da vila sergipana de Nossa Senhora do Livramento das Minas do Rio de Contas, vila essa criada em terras desmembradas da vila sergipana de Santo António de Jacobina no dia 27 de novembro de 1723.
Essas duas vilas pertenciam politicamente à capitania de Sergipe del Rey, mas estavam subordinadas judicialmente, desde as suas criações, à comarca da Bahia de Todos os Santos e civil e militarmente ao governo geral do Estado do Brasil.
Com a criação da comarca da Bahia da Parte do Sul, de acordo com a resolução régia datada de 10 de dezembro de 1734, a vila de Minas Novas passaria a ser subordinada judicialmente à sua da referida comarca e civil e militarmente ao governo geral do Estado do Brasil.
Essa comarca passou a ser chamada de comarca de Jacobina a partir de 1743, quando sua sede foi, de fato, instalada na vila de Santo António de Jacobina.
De acordo com carta régia datada de 28 de setembro de 1760, a partir dessa data, a vila de Minas Novas voltou a ser subordinada judicialmente à comarca mineira de Serro Frio e civil e militarmente ao governo da capitania de Minas Gerais.
Não houve diferença entre esse segundo momento, a partir de 1760, e o primeiro momento, de 1730 a 1743, em que a vila de Minas Novas ficou subordinada judicialmente à comarca mineira de Serro Frio e civil e militarmente ao governo da capitania de Minas Gerais; em ambos os momentos, a referida vila continuou pertencendo politicamente ao governo sergipano.
Outro exemplo desse tipo de caso, temos na criação da vila de São Francisco das Chagas da Barra do Rio Grande pelo ouvidor e provedor da comarca de Jacobina, o doutor Henrique Correia António Ferreira do Valle e Mello, no dia 1º de dezembro de 1752.
Apesar das terras dessa vila pertencerem ao território da capitania geral de Pernambuco, elas ficaram subordinadas judicialmente à comarca sergipana de Jacobina, mas civil e militarmente ao governo geral do Brasil até o ano de 1763 e, a partir de então, ao governo civil e militar da capitania geral da Bahia de Todos os Santos.
Apesar da comarca de Jacobina ser uma subdivisão territorial de caráter judicial da capitania de Sergipe del Rey, ela estava subordinada civil e militarmente ao governo geral do Brasil desde a sua criação.
Com a criação da comarca pernambucana do São Francisco, no dia 03 de junho de 1820, a vila pernambucana da Barra do Rio Grande passou a ser subordinada judicialmente à sua jurisdição e civil e militarmente ao governo da capitania geral de Pernambuco.
Foi de forma similar a essa que ocorreu com as vilas sergipanas de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e de São Francisco da Barra de Sergipe do Conde, criadas pelo Desembargador dos Agravos e Apelações, Crimes e Cíveis da Relação do Brasil Estevam Ferraz de Campos.
Elas ficaram subordinadas judicialmente à comarca da Bahia de Todos os Santos, por ficarem suas sedes administrativas localizadas próximas à cidade do Salvador, que era cabeça da comarca da Bahia de Todos os Santos, passando assim a ficarem as referidas vilas subordinadas civil e militarmente, a partir de 1698, ao governo geral do Brasil e, a partir de 1763, ao governo da capitania geral da Bahia.
Assim também ocorreu com as vilas sergipanas criadas por ordem do vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes, as de Santo António de Jacobina e de Nossa Senhora do Livramento das Minas do Rio de Contas, respectivamente, nos anos de 1720 e 1723, mas instaladas, de fato, pelo coronel Pedro Barbosa Leal, seguindo as ordens do referido vice-rei, respectivamente, nos dias 22 de junho de 1722 e 09 de fevereiro de 1725.
Não encontramos documentos demonstrando que as referidas vilas tenham sido criadas oficialmente ou documentalmente por ouvidores gerais da comarca da Bahia, mas essa era uma atribuição específica dos ouvidores gerais ou de juízes de fora da referida comarca, ou ainda dos desembargadores do Tribunal da Relação do Brasil.
De qualquer forma, as referidas vilas foram criadas por ordem do referido vice-rei, pois essa era a sua atribuição, e instaladas por seu emissário, o coronel Pedro Barbosa Leal.
Os termos das referidas vilas sergipanas ficaram subordinadas à comarca da Bahia de Todos os Santos, ficando elas, portanto, subordinados civil e militarmente ao governo geral do Brasil até o ano de 1763, e, depois dessa data, ao governo civil e militar da capitania geral da Bahia de Todos os Santos.
Outras vilas sergipanas foram criadas através comarca da Bahia, apesar de serem subdivisões territoriais de caráter político-administrativo da capitania de Sergipe del Rey.
As vilas de São João Batista de Água Fria e de Nossa Senhora da Purificação e Santo Amaro tiveram seus termos criados pelo desmembramento, respectivamente, das vilas sergipanas de Nossa Senhora do Rosário do Porto da Cachoeira e de São Francisco da Barra de Sergipe do Conde, no ano de 1728.
Essas duas vilas, a de Água Fria e a de Santo Amaro, foram criadas pelo ouvidor geral da comarca da Bahia, ficando elas subordinadas judicialmente à referida comarca e civil e militarmente ao governador geral do Estado do Brasil.
No ano de 1758, foram criadas mais duas vilas no território da capitania de Sergipe del Rey, ficando elas subordinadas à comarca da Bahia, que foram a Vila Nova de Soure, em 08 de maio de 1758, e a Vila Nova do Espírito Santo de Abrantes, em 27 de setembro de 1758.
As terras da vila de Abrantes foram desmembradas do termo da vila sergipana de São Francisco da Barra de Sergipe do Conde, e as terras de vila de Soure foram desmembradas da vila sergipana de Itapicurú de Cima.
A Vila Nova de Soure foi criada pelo juiz de fora da vila de Cachoeira José Gomes Ribeiro, e a Vila Nova de Abrantes foi criada pelo juiz de fora da cidade de Salvador João Ferreira de Bitencourt e Sá.
Os juízes de fora tinham como uma de suas atribuições representar judicialmente os ouvidores gerais das comarcas a que eles pertenciam.
Essas duas vilas também ficaram subordinadas judicialmente à comarca da Bahia de Todos os Santos e civil e militarmente ao governo geral do Estado do Brasil até o ano de 1763, passando, então, a serem subordinadas ao governo da capitania geral da Bahia de Todos os Santos.
Outras vilas foram criadas no território da capitania de Sergipe del Rey por ouvidores gerais da comarca sergipana de Jacobina, apesar de terem seus termos ficado subordinados civil e militarmente ao governo geral do Estado do Brasil até o ano de 1763, passando, então, a serem subordinadas ao governo da capitania geral da Bahia de Todos os Santos.
Foram elas a vila de Urubu (de Cima), criada em 27 de setembro de 1749; a Vila Nova da Rainha, criada em 01 de julho de 1797; e a Vila Nova do Príncipe e Santana de Caetité, criada em 05 de abril de 1810.
Pelos exemplos citadas, percebe-se que o fato do ouvidor geral de uma determinada capitania, ou seus representantes legais, os juízes de fora, criarem uma vila em outra capitania e de ter sua comarca jurisdição sobre a mesma, mesmo ficando subordinada civil e militarmente ao governo geral do Brasil ou ao governador da capitania dessa outra comarca, não retirava da capitania de origem da referida vila a jurisdição política de seu governador ou capitão-mor.
O ponto central deste estudo sobre a história de Sergipe:
As sesmarias doadas entre os anos de 1648 e 1663, em terras que abrangeriam parte do território da vila de Jacobina em 1720, ano de sua criação, foram doadas por capitães-mores de Sergipe del Rey a membros da Família d’Ávila.
O restante das terras sergipanas que compreenderiam a futura vila de Jacobina foi doada, entre 1663 e 1695, na forma de sesmarias, principalmente a membros da Família Guedes de Brito por governadores gerais do Estado do Brasil, uma vez que o 1º conde de Óbidos Vasco de Mascarenhas, vice-rei do Estado do Brasil de 1663 a 1667, criou um regimento, no ano de 1663, proibindo capitães-mores de capitanias, como era o caso da capitania de Sergipe del Rey, de continuarem doando sesmarias.
Também receberam sesmarias nessas terras Matias Cardoso de Almeida e Bernardo Vieira Ravasco, entre outros.
Legalmente, a partir de 1734, e, de fato, a partir de 1743, a comarca de Jacobina, juntamente com a comarca de Sergipe del Rey, subdividiam o território sergipano judicialmente.
De 1720 a 1763, as terras sergipanas que formariam a comarca de Jacobina ficaram subordinadas civil e militarmente ao Governo Geral do Estado do Brasil; desse último ano até 1820, essas mesmas terras ficaram subordinadas civil e militarmente ao governo da capitania geral da Bahia de Todos os Santos.
Entre 1698 a 1728, a comarca da Bahia teve sua jurisdição ampliada para o território sergipano localizado das terras de São Francisco de Itapuã até o rio Real.
Nem a subordinação judicial à comarca da Bahia ou civil e militarmente ao governo geral do Estado do Brasil e, depois, ao governo da capitania geral da Bahia de Todos os Santos tiveram poder legal para alterar as fronteiras políticas da capitania de Sergipe del Rey e suas extensões em léguas de terra pela costa e pelo sertão adentro.
Amplie sua visão histórica…
Você sabia que uma vila podia ser criada pelo ouvidor geral da comarca de sua própria capitania, mas depois de algum tempo passar a ser subordinada judicialmente à comarca de outra capitania e civil e judicialmente ao governo dessa outra capitania, como forma de melhor aplicar a justiça régia em seu termo e de modo a estabelecer um melhor sistema de defesa de seu território?!
A saga continua…
Redatores e Escritores responsáveis:
Reinaldo Alves dos Santos
Gleide Selma dos Santos
O material contido nesta página pode ser utilizado no todo ou em parte, desde que não tenha fins comerciais e que sejam observados os critérios de citação do autor, e do veículo.
Fonte:
ARAÚJO, Regina Mendes de. Proprietárias de escravos e terras da Vila do Carmo, Vila Rica e Vila de São João Del Rei – 1718-1761. XV Encontro Nacional de Estudos Populacionais, ABEP, realizado em Caxambu, Minas Gerais – Brasil, de 18 a 22 de setembro de 2006. Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Juiz. Disponível em:
<http://www.abep.org.br/publicacoes/index.php/anais/article/download/1502/1467>. Em acesso em: 21 maio 2021.
COSTA, F. A. Pereira da. Em Prol da Integridade do Território de Pernambuco. Instituto Archeológico e Geographico Pernambucano. Typ. do “Jornal do recife”. Recife, 1896. Disponível em:
<https://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/221743#:~:text=Registra%20a%20cria%C3%A7%C3%A3o%20da%20Comarca,anexada%20%C3%A0%20Bahia%2C%20em%201827>. Acesso em: 21 maio 2021.
FLEXOR, Maria Helena O (Coordenadora); LACERDA, Ana Maria; SILVA, Maria Conceição da Costa e; CAMARGO, Maria Vidal de Negreiros. O Conjunto do Carmo da Cachoeira. Programa Monumento do IPHANMinC, novembro de 2007. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/ColGranObr_OConjuntoCarmoCachoeira_m.pdf>. Acesso em: 21 maio 2021.
SANTOS, Fabricio Lyrio. A civilização como missão: agentes civilizadores de índios na Bahia colonial no contexto da política pombalina. Tempo (Niteroi, online) / vol. 22 n. 41. P. 533-550 set-dez. 2016./ Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/tem/v22n41/1413-7704-tem-22-41-00533.pdf. Acesso em: 29 abril 2021.
SANTOS, Marcos Roberto Alves dos. Fronteira do sertão baiano: 1640-1750. Universidade de São Paulo. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Departamento de História. Programa de Pós-Graduação em História. São Paulo, 2021. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-09072010-133900/publico/2010_MarcioRobertoAlvesdosSantos.pdf>. Acesso em: 21 maio 2021.
VASCONCELOS, Suani de Almeida. Carta de Sesmaria – Século XIX: Edição Semidiplomática e Estudo Histórico. Universidade Federal da Bahia. Mestranda em Lingüística Aplicada na Universidade Federal da Bahia; membro do Grupo de Edição de Textos (Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil – CNPq ) – Universidade Estadual de Feira de Santana. Disponível em: <http://www.filologia.org.br/scripta_philologica/01/Carta_de_Sesmaria_%E2%80%93_S%C3%A9culo_XIX_-_Edi%C3%A7%C3%A3o_Semidiplom%C3%A1tica_e_Estudo_Hist%C3%B3rico.pdf>. Acesso em: 21 de maio de 2021.
VIEIRA FILHO, Raphael Rodrigues. Os Negros em Jacobina (Bahia) no Século XIX. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Doutorado em História Social. São Paulo, 2006. Disponível em: < https://sapientia.pucsp.br/bitstream/handle/12946/1/Raphael%20Rodrigues%20Vieira%20Filho.pdf>. Acesso em 04 maio 2021.
MAPA. CHAVES, Edneila Rodrigues. Criação de vilas em Minas Gerais no início do regime monárquico. A região Norte. Varia História, Varia hist.. vol. 29 nº 51 Belo Horizonte Sept./Dec. 2013. Disponível em: <https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-87752013000300009>. Acesso em 21 maio 2021.
MAPA apresentando a proximidade da vila sergipana de Minas Novas à vila mineira do Príncipe, a qual era cabeça da comarca de Serro Frio. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Minas_Novas. Acesso em: 29 abril 2021.