Território judicial e jurisdição

 

Mapa “Provincie dela Baia e di Sergipe”, de Andrea Antonio Orazi (1698).
Mapa “Provincie dela Baia e di Sergipe”, de Andrea Antonio Orazi (1698). O termo “província” era utilizado para representar cada uma das subdivisões territoriais de caráter político-militar do reino de Portugal e Algarves na Ibéria; no mapa em questão, ele foi utilizado para representar cada uma das duas subdivisões territoriais de caráter político-militar do reino de Portugal e Algarves na América portuguesa, sendo que, neste caso, no Novo Mundo, cada uma dessas subdivisões era chamada de “capitania”.

 

Comarca era um território judicial delimitado pelas fronteiras políticas de uma capitania; mas sua jurisdição podia ultrapassar as fronteiras políticas de uma capitania, de acordo com interesses da Coroa portuguesa.

 

As comarcas eram delimitações territoriais do poder judicial subordinadas à jurisdição de um ouvidor geral de capitania.

 

A atuação judicial de um ouvidor geral tinha seu alcance na primeira instância da Justiça na colônia.

 

Características de uma comarca

 

Toda primeira comarca de uma capitania recebia por denominação o nome da capitania onde ela foi criada ou era chamada de “comarca da capitania de”, acompanhada pelo nome da capitania.

 

As demais comarcas criadas numa mesma capitania recebiam por denominação, via de regra, o nome de algum acidente geográfico localizado próximo à sua sede administrativa.

 

Toda primeira comarca criada numa capitania tinha como sua sede administrativa a mesma vila ou cidade que servia de sede de governo de sua capitania.

 

Comarca como subdivisão territorial de caráter judicial de uma capitania

 

No território português na península Ibérica, as comarcas eram subdivisões territoriais de caráter judicial de uma província.

 

Uma província era uma subdivisão territorial de caráter político do reino português na Europa; seria o equivalente a uma capitania na colônia, tanto que, em muitos documentos régios e de seus representantes na colônia, as capitanias eram chamadas de províncias.

 

No território português na América, as comarcas também foram criadas como subdivisões territoriais de caráter judicial, mas de capitanias.

 

Diferença entre fronteiras de uma comarca e fronteiras de sua jurisdição

 

 

Uma comarca era um território judicial cujas fronteiras não ultrapassavam os marcos de divisa política da capitania onde ela foi criada.

 

Já a jurisdição da comarca de uma capitania podia ultrapassar os marcos de fronteira política da capitania a que ela, a comarca, pertencia.

 

A jurisdição de uma comarca podia corresponder ao território total de sua capitania ou somente a parte de seu território; além de poder também abranger sua jurisdição mais de uma capitania ou uma capitania e parte de outra capitania.

 

Relação de subordinação e de independência entre ouvidor geral de capitania e o governador ou capitão-mor da mesma

 

A relação do ouvidor geral de uma comarca com o governador ou capitão-mor da capitania onde ela foi criada era de subordinação apenas na área político-administrativa; no entanto, o governador ou capitão-mor de sua capitania não tinha autoridade para interferir na atividade judicial em si, a qual era de competência exclusiva do ouvidor geral.

 

Em outras palavras, o governador ou capitão-mor de uma capitania podia, por exemplo, determinar que o ouvidor geral de sua capitania criasse uma vila em seu território, sendo do referido governante o direito-dever de escolher o local e as dimensões da referida vila, como também seus marcos de fronteira e o local de sua sede administrativa.

 

No entanto, o processo legal da criação da referida vila era de competência exclusiva do ouvidor geral com jurisdição sobre o território em que a referida vila fosse ser construída, não podendo o referido governante interferir na estrutura legal da referida criação.

 

As primeiras seis vilas da comarca e capitania de Sergipe del Rey

 

Quando as comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos foram criadas no ano de 1696, suas jurisdições correspondiam exatamente às mesmas fronteiras de suas capitanias.

 

No ano de 1698, quando foram criadas as primeiras seis vilas no território sergipano: Cachoeira, Sergipe do Conde, Lagarto, Itabaiana, de Santa Luzia (do Itanhy) e Santo Amaro (das Brotas), os termos dessas vilas abrangeram juntos 100% do território da comarca de Sergipe del Rey pela costa, seguindo pelo sertão adentro, em linha reta paralela ao mar, tendo como fronteira noroeste as terras localizadas de frente à cachoeira do Sumidouro (atual cachoeira de Paulo Afonso) e como fronteira sudoeste a foz do rio Jacuípe.

 

Apesar de estarem localizadas no território político da capitania de Sergipe del Rey, as vilas sergipanas de Porto da Cachoeira e de Sergipe do Conde, que compreendiam juntas mais de 60% do território sergipano pela costa, adentrando ao sertão até a altura da nascente do rio Real e da foz do rio Jacuípe, ficaram subordinadas judicialmente à comarca da Bahia, devido à proximidade de suas sedes administrativas da cabeça da comarca da Bahia de Todos os Santos, a cidade do Salvador.

 

Vilas sergipanas subordinadas judicialmente à comarca da Bahia e civil e militarmente ao governo geral do Estado do Brasil

 

Quando o vice-rei Vasco Fernandes César de Menezes, o conde de Sabugosa, mandou criar as vilas de Jacobina e do Rio de Contas, ele acreditava que as terras onde as duas vilas seriam criadas pertenciam à capitania da Bahia de Todos os Santos e que, por essa razão, elas ficariam subordinadas à comarca da Bahia de Todos os Santos.

 

O conde de Sabugosa somente ficou sabendo que as duas vilas citadas estavam localizadas no território da comarca e capitania de Sergipe del Rey a partir de 1725, através de cópia do documento de criação das comarcas de Sergipe del Rey e da Bahia de Todos os Santos no ano de 1696, o qual lhe foi enviado pelo ouvidor geral da comarca de Sergipe del Rey António Soares Pinto.

 

Mesmo sabendo que as vilas de Jacobina e de Rio de Contas, como também as vilas da Cachoeira e de Sergipe do Conde, pertenciam à comarca e capitania de Sergipe del Rey, o conde de Sabugosa manteve os termos das quatro vilas subordinados à comarca da Bahia de Todos os Santos, uma vez que tais terras estavam subordinadas civil e militarmente ao governo geral do Estado do Brasil, com sede estabelecida na cidade do Salvador.

 

Os capitães-mores da capitania de Sergipe del Rey somente mantiveram jurisdições civil e militar sobre a cidade de São Cristóvão e sobre as vilas sergipanas de Lagarto, de Itabaiana, de Santa Luzia (de Itanhy) e de Santo Amaro (das Brotas), criadas, no ano de 1698, em terras localizadas entre o rio Real e o rio São Francisco.

 

Além dessas vilas sergipanas, a partir de 1728, outras três vilas foram criadas pelo ouvidor geral da comarca de Sergipe del Rey António Soares Pinto em território sergipano, que foram as de “Inhambupe, Itapicurú e Abadia”.

 

Essas vilas também ficaram subordinadas civil e militarmente aos capitães-mores da capitania de Sergipe del Rey, mas somente até o ano de 1731, quando a comarca da Bahia passou a ter jurisdição sobre as referidas vilas também, passando as mesmas a ficarem subordinadas civil e militarmente ao governo geral do Brasil.

 

A comarca da Bahia da Parte do Sul, posteriormente chamada de comarca de Jacobina

 

Três anos após ter transferido, com autorização régia, as três vilas citadas: Inhambupe, de Itapicurú e de Abadia, para a jurisdição da comarca da Bahia de Todos os Santos, o conde de Sabugosa solicitou a Dom João V sua permissão para que fosse criada uma nova comarca no sertão, para que a justiça régia pudesse ser melhor aplicada nos termos das vilas de Jacobina e de Rio de Contas.

 

O território da nova comarca abrangeria mais de 200 léguas de terra da capitania de Sergipe del Rey.

 

A fronteira oeste da referida comarca se estenderia, ao longo do médio São Francisco, por toda a referida extensão, rumando em direção ao Leste, nessa mesma largura, até as fronteiras oeste das capitanias do Paraguaçu, de Ilheus e de Porto Seguro e das vilas sergipanas de Porto da Cachoeira, de Água Fria, de Inhambupe e de Itapicuru.

 

Apesar da comarca da Bahia ter como território judicial somente a capitania da Bahia, seus ouvidores gerais tinham jurisdição sobre as capitanias e vilas citadas como fronteiras da nova comarca, sendo eles responsáveis por fazerem correições em todas essas localidades.

 

Na visão de Dom João V, a nova comarca teria jurisdição principalmente sobre o território localizado ao Sul da cabeça da comarca da Bahia, ficando a porção norte do referido território subordinado à comarca da Bahia, como até então vinha ficando.

 

Esse foi, provavelmente, o motivo que levou Dom João V a chamar a nova comarca de “Bahia da parte do Sul” quando autorizou a sua criação no ano de 1734.

 

No ano seguinte à criação oficial da comarca, o conde de Sabugosa terminou seu mandado como vice-rei do Brasil.

 

Como a nova comarca somente foi instalada no ano de 1743, o referido conde deixou o governo geral do Estado do Brasil sem ter visto a referida comarca implantada.

 

Após a instalação da nova comarca, com sua sede administrativa estabelecida na vila de Santo António de Jacobina, a referida comarca passou a ser chamada de comarca de Jacobina.

 

Não sabemos se os sucessores do conde de Sabugosa no governo geral do Brasil vieram a saber que a comarca da Bahia da parte do Sul era uma subdivisão territorial judicial da capitania de Sergipe del Rey; no caso de Vasco Fernandes César de Menezes, ele sabia desse fato.

 

Sabemos, no entanto, através de um documento datado de 27 de novembro de 1805, que, pelo menos, o governador e capitão general da capitania da Bahia de Todos os Santos Francisco da Cunha Menezes sabia que a comarca de Jacobina fazia fronteira a Leste com a comarca de Sergipe del Rey, com a vila de Maragogipe e com a comarca de Ilheus.

 

Esse fato demonstrava que o referido governador geral da capitania da Bahia de Todos os Santos, pelo menos, tinha conhecimento de que a comarca de Sergipe del Rey compreendia as terras localizadas à Leste da comarca de Jacobina até as fronteiras da cidade do Salvador, uma vez que ele sabia que as vilas do Porto da Cachoeira, de Água Fria, de Inhambupe e de Itapicuru eram sergipanas, pois faziam fronteira com a comarca de Jacobina.

 

Como as referidas vilas pertenciam à comarca de Sergipe del Rey, porque não acreditar, vislumbrando todo o histórico sobre a formação das referidas vilas, que aquelas que lhes faziam fronteira à Oeste também não o eram?!

 

No referido documento, não se menciona a comarca da Bahia de Todos os Santos como fazendo fronteira com a comarca de Jacobina; nem podia, pois a comarca da Bahia fazia fronteira à Leste com o Oceano Atlântico, à Norte e à Oeste com a comarca de Sergipe del Rey e à Sul com o rio Jiquiriçá.

 

É importante se ter em mente que, entre os anos de 1763 e 1820, o governo da capitania de Sergipe del Rey ficou extinto, tendo a referida capitania ficado anexada à capitania geral da Bahia de Todos os Santos.

 

Durante esse período de tempo, o estatuto político da capitania de Sergipe del Rey não foi extinto, mas ela ficou subordinada ao governo da capitania geral da Bahia, tendo suas duas comarcas, a de Sergipe del Rey e a de Jacobina, também ficado a ela anexadas.

 

Mesmo durante esses 57 anos em que a capitania de Sergipe del Rey ficou anexada à capitania geral da Bahia, percebemos que, pelo menos, o seu governador e capitão general Francisco da Cunha Menezes soube, através do ouvidor geral da comarca de Jacobina, que a comarca de Sergipe del Rey fazia fronteira com a comarca de Jacobina.

 

Dessa forma, quando a capitania de Sergipe del Rey teve o seu governo restaurado no ano de 1820, ficando seu governo totalmente independente do governo da capitania geral da Bahia, o governador e capitão general da capitania da Bahia não pode mais ter jurisdição civil e militar sobre o território das comarcas de Jacobina e de Sergipe del Rey, ficando a jurisdição judicial dessas duas comarcas anexas ao governo da capitania geral da Sergipe del Rey.

 

O ponto central deste estudo sobre a história de Sergipe:

 

A capitania de Sergipe del Rey teve seu território sertanejo distribuído em sesmarias majoritariamente após a expulsão dos holandeses de seu território no ano de 1645.

 

Entre 1648 e 1681, as 300 léguas de terras sertanejas da capitania de Sergipe del Rey, localizadas ao longo do rio São Francisco, entre a altura do povoado de Santo António de Pambú e a nascente do referido rio, e, nessa mesma largura, rumando para o Leste, até se encontrar com as fronteiras oeste das capitanias do Espírito Santo, de Porto Seguro, de Ilheus, do Paraguaçú e das vilas sergipanas de Porto da Cachoeira, de Água Fria, de Inhambupe e de Itapicurú, haviam sido distribuídas paras membros das famílias D’Ávila, Guedes de Brito e Peixoto Viegas.

 

A comarca da Bahia da Parte do Sul tinha como território, quando foi instalada, as vilas sergipanas de Santo António de Jacobina, de Nossa Senhora do Livramento das Minas do Rio de Contas e de Nossa Senhora do Bom Sucesso das Minas Novas de Araçuaí.

 

Seguindo da cabeça da comarca da Bahia da Parte do Sul, a vila de Jacobina, para ao Sul, até a fronteira sul da vila de Minas Novas, temos uma extensão de mais de 150 léguas de terra.

 

Da vila de Jacobina, para o Norte, até o rio São Francisco, na altura da cachoeira de Paulo Afonso, a extensão da referida comarca era de aproximadamente 60 léguas de terra.

 

Da cachoeira de Paulo Afonso para o leste, ao longo do rio São Francisco, até a sua foz, a extensão desse território era de 50 léguas de comprimento.

 

Nesse mesmo comprimento, rumando para o sul, até a baía de Todos os Santos, com exceção do termo da cidade do Salvador, a extensão da referida comarca era, em sua largura, cerca de 60 léguas de terra de extensão pela costa.

 

Esse território compreendia a comarca de Sergipe del Rey, com exceção do termo da cidade do Salvador, o qual pertencia à capitania e comarca da Bahia, cujas extensões eram de seis léguas de terra em quadro.

 

Apesar de seu pequeno território, uma vez que a comarca da Bahia se estendia da fronteira norte da cidade do Salvador, rumando para o sul, até o rio Jiquiriçá, os ouvidores gerais da referida comarca tiveram sua jurisdição estendida ao território sergipano a partir de 1698.

 

Das terras localizadas ao longo das fronteiras norte e oeste da cidade do Salvador, para o oeste, margeando o lado esquerdo do rio Paraguaçu, até a foz do rio Jacuípe e, para o norte, até o rio Real, de sua foz à sua nascente, apesar de tais terras serem sergipanas, elas ficaram subordinadas judicialmente à jurisdição da comarca da Bahia de 1698 a 1820.

 

Por mais de 2/3 do território da comarca de Jacobina ter ficado localizado ao sul da comarca da Bahia, a referida comarca de Jacobina, subdivisão territorial judicial da capitania de Sergipe del Rey, passou a ser chamada, inicialmente, por parte de Dom João V, de comarca da Bahia da Parte do Sul.

 

Por ter o governo da capitania de Sergipe del Rey permanecido extinto de 1763 a 1820, a capitania de Sergipe del Rey ficou anexada à capitania geral da Bahia de Todos os Santos, como também o ficaram suas duas comarcas, a de Sergipe del Rey e a de Jacobina no referido período.

 

Com a independência total da capitania de Sergipe del Rey da capitania geral da Bahia de Todos os Santos a partir de 8 de julho de 1820, Sergipe del Rey se tornou uma capitania geral. Como tal, o governo da capitania geral da Bahia já não tinha mais direito de assumir as jurisdições civil e militar sobre os termos das vilas das comarcas de Sergipe del Rey e de Jacobina.

 

Amplie sua visão histórica…

 

Você sabia que a vila de uma capitania podia ser criada pelo ouvidor geral da comarca de outra capitania, ficando a referida vila subordinada judicialmente à referida comarca e civil e judicialmente ao governo da capitania a que a referida comarca pertencia?!

 

A saga continua…

 

Conheça mais histórias

 

Fonte:

 

BARCELOS, Mariana. Nossa Senhora do Bom Sucesso de Minas Novas do Araçuí. Atlas Digital da América Lusa. Disponível em: http://lhs.unb.br/atlas/Nossa_Senhora_do_Bom_Sucesso_de_Minas_Novas_do_Ara%C3%A7u%C3%AD. Acesso em: 28 abril 2021.

 

COSTA, F. A. Pereira da. Em Prol da Integridade do Território de Pernambuco. Instituto Archeológico e Geographico Pernambucano. Typ. do “Jornal do recife”. Recife, 1896.

 

FRANÇA, Ivo do Prado Montes Pires de. A capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memórias sobre questões de limites (Congresso de Bello Horizonte). Rio de Janeiro, 1919.

 

MAPA: “Provincie dela Baia e di Sergipe”. In: SANTA TERESA, Frei João José de. Istoria dele guerre del Regno del Brasile. Roma: Stamparia degl’heredi del Corbelletti. Em 7/2/1698. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Provincie_della_baia_e_di_sergippe.jpg>. Acesso em 27 abril 2012.

 

Redatores e Escritores responsáveis:

Reinaldo Alves dos Santos
Gleide Selma dos Santos

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