Vilas de capitanias hereditárias também podiam ficar subordinadas à comarca de outra capitania
Publicado em 05/06/2021 por Gleide Selma
Uma Vila podia ser criada pelo Ouvidor da Capitania a que ela pertencia politicamente, mas ficar subordinada judicialmente à comarca de outra capitania
Vilas de capitanias hereditárias também podiam ficar subordinadas à comarca de outra capitania.
Uma vila podia ser criada pelo ouvidor da capitania a que ela pertencia politicamente, mas ficar subordinada judicialmente à comarca de outra capitania e civil e militarmente ao governo dessa outra capitania.
Essa subordinação nas áreas civil e militar de uma vila de uma capitania ao governo de outra capitania e área judicial da comarca dessa outra capitania não alterava o fato de que o termo dessa vila continuava pertencendo ao território politico de sua capitania de origem.
Como exemplo desse tipo de situação, temos as vilas sergipanas de Nossa Senhora de Nazaré do Itapicurú, de Inhambupe de Cima e da Abadia, criadas pelo ouvidor geral da comarca da capitania de Sergipe del Rey no ano de 1728, ficando subordinadas judicialmente a essa comarca e civil e militarmente ao governo da capitania de Sergipe del Rey.
Quando os termos dessas três vilas sergipanas passaram a ser subordinadas judicialmente à comarca da Bahia, a partir de 22 de julho de 1731, elas passaram a ser subordinadas civil e militarmente ao governador geral do Brasil, isso até o ano de 1763, depois dessa data, eles passaram a ser subordinados ao governo civil e militar da capitania geral da Bahia de Todos os Santos até o ano de 1820.
Outras duas vilas sergipanas, criadas pelo ouvidor geral da comarca de Sergipe del Rey, o doutor Miguel de Aires Lobo de Carvalho, foram as de Pombal, criada em 8 de maio de 1758, e de Mirandela, criada em 1760.
Essas duas vilas ficaram subordinadas judicialmente à comarca de Sergipe del Rey das datas de suas criações até o ano de 1763 pelo menos, ficando, portanto, até esse momento subordinadas civil e militarmente ao governo da capitania de Sergipe del Rey.
A partir do referido ano, o governo da capitania de Sergipe del Rey foi extinto, ficando a referida capitania anexa à capitania geral da Bahia de Todos os Santos e subordinada civil e militarmente ao governo dessa capitania geral.
Não encontramos, até o presente momento, nenhum documento que indique que as vilas sergipanas de Pombal e de Mirandela possam ter passado a ser subordinadas à comarca da Bahia a partir de 1763, após a anexação da capitania de Sergipe del Rey e de suas duas comarcas, a de Sergipe del Rey e a de Jacobina, à capitania geral da Bahia.
Assim sendo, por passarem a ser subordinadas civil e militarmente ao governo baiano, os termos dessas vilas podem, muito bem, terem permanecido subordinadas judicialmente à comarca de Sergipe del Rey até a data da restauração do governo da capitania de Sergipe del Rey e a sua transformação em uma capitania geral, portanto, totalmente independente da capitania geral da Bahia, a partir de 8 de julho de 1820.
Sabemos que, no ano de 1805, o governador e capitão general da capitania da Bahia de Todos os Santos recebera uma carta do ouvidor geral da comarca de Jacobina apresentando a comarca de Sergipe como fazendo fronteira ao Leste da comarca de Jacobina, demonstrando que era sabido, no referido ano, que as comarcas de Jacobina e de Sergipe del Rey subdividiam a capitania de Sergipe del Rey, então anexada à capitania geral da Bahia de Todos os Santos.
Assim sendo, é muito provável que as vilas de Pombal e Mirandela tenham permanecido subordinadas à comarca de Sergipe del Rey desde suas criações até o ano da independência da capitania de Sergipe del Rey da capitania da Bahia de Todos os Santos.
Vilas de capitanias hereditárias subordinadas judicialmente a comarcas de capitanias régias
A vila de Nossa Senhora da Conceição foi criada, no ano de 1548, pelo loco-tenente do donatário da capitania hereditária de Itamaracá, João Gonçalves.
De 1609 a 1615, a capitania hereditária de Itamaracá ficou subordinada ao governador da capitania régia da Paraíba por estarem herdeiros do donatário Pero Lopes de Sousa em litígio pelo direito à referida capitania.
Após esse período, o donatário tomou posse outra vez da governança da referida capitania.
No ano de 1654, a capitania e governança da capitania de Itamaracá foi revertida para a Coroa portuguesa, ficando ela subordinada ao governo geral do Brasil.
Quando à área de justiça, a referida capitania ficou subordinada ao Tribunal da Relação do Brasil, cuja sede administrativa ficava localizada na cidade do Salvador, na capitania da Bahia de Todos os Santos.
O governo civil e militar da referida capitania ficou sob a jurisdição dos capitães-mores nomeados pela Coroa portuguesa para a referida capitania régia.
Militarmente, em questões de defesa interna e externa e de policiamento interno da região Norte do Brasil, os capitães-mores da capitania régia de Itamaracá ficaram subordinados aos governadores da capitania de Pernambuco a partir de 1672, de acordo com carta régia datada de 22 de dezembro desse ano.
No ano de 1685, por provisão régia datada de 15 de janeiro, a sede de governo da capitania de Itamaracá foi transferida da vila de Nossa Senhora da Conceição para a recém-criada vila de Goiana.
No ano de 1688, a capitania régia de Itamaracá ficou subordinada judicialmente à Ouvidoria Geral da capitania da Paraíba.
A partir de 1692, legalmente, a capitania de Itamaracá voltou a pertencer ao herdeiro legal do donatário anterior.
Após reclamação do novo donatário sobre a mudança da sede do governo de sua capitania, a vila de Nossa Senhora da Conceição, de acordo com provisão régia datada de 20 de novembro de 1709, voltou a ser sede de governo da referida capitania.
No ano de 1711, foi recriada na capitania hereditária de Itamaracá, oficialmente, a vila de Goiana, tendo sido destituída da categoria de vila no dia 05 de dezembro de 1713.
Em 06 de outubro de 1742, outra provisão régia recria a vila Goiana, tornando-a outra vez sede de governo da capitania hereditária de Itamaracá.
No ano de 1755, o governo da capitania da Paraíba foi extinto, sendo ela e sua comarca anexadas à capitania geral de Pernambuco.
No ano de 1763, a capitania de Itamaracá foi outra vez revertida para a Coroa portuguesa. A partir desse momento, ela passou a ser subordinada civil, militar e ao governo da capitania geral de Pernambuco.
Judicialmente, a capitania de Itamaracá continuou sendo subordinada à comarca da capitania da Paraíba, mas essa comarca e sua capitania estavam anexadas à capitania geral de Pernambuco.
Com a restauração do governo da capitania da Paraíba a partir do dia 17 de janeiro de 1799, o seu governador Fernando Delgado Freire de Castilho solicitou ao príncipe regente Dom João que a capitania de Itamaracá fosse anexada à capitania da Paraíba, tendo Sua Majestade concordado com o pedido.
No ano de 1815, por alvará régio datado de 30 de maio, a vila de Goiana passou a ser subordinada judicialmente à jurisdição da comarca de Olinda e Recife e civil e militarmente à capitania geral de Pernambuco, mas seu termo continuou pertencendo ao território politico da capitania da Paraíba.
A vila de Nossa Senhora da Conceição passou a ser subordinada judicialmente à jurisdição da comarca de Olinda e Recife e civil e militarmente à província de Pernambuco apenas a partir de 20 de maio de 1833, por resolução do Conselho do Governo de Pernambuco.
Os termos de outras vilas de uma capitania hereditária, criadas por seu donatário, acabaram ficando subordinadas judicialmente à comarca de outra capitania, foram elas as vilas da ilha Grande de Angra dos Reis (1608) e de Nossa Senhora dos Remédios de Paraty (1677).
A primeira dessas vilas foi criada pelo donatário da capitania de São Vicente; a segunda, pelo donatário da capitania de Itanhaém.
Apesar de nomes diferentes, essa era uma única capitania, cujo nome foi alterado a partir de 1624.
Essa era a capitania doada por Dom João III ao fidalgo Martim Afonso de Sousa no ano de 1535, pertencendo a seus herdeiros.
A partir de 1700, os termos dessas vilas passaram a ser subordinadas judicialmente à comarca do Rio de Janeiro e civil e militarmente ao governo da capitania geral do Rio de Janeiro, mas permaneceram politicamente pertencendo à capitania hereditária de Itanhaém.
Por um período de seis anos, a partir de 1720, a vila de Paraty passou a ser subordinada civil e militarmente ao governo da capitania geral de São Paulo, mas permaneceu judicialmente subordinada à comarca do Rio de Janeiro.
Após 1726, a vila de Paraty voltou a ser subordinada ao governo civil e militarmente da capitania geral do Rio de Janeiro.
Em todo esse tempo, a vila de Paraty não deixou de pertencer ao território político da capitania hereditária de Itanhaém; mesmo tendo ficado subordinada civil e militarmente à capitania geral de São Paulo de 1720 a 1726 e de 1726 em diante à capitania geral do Rio de Janeiro.
Essas duas vilas continuaram subordinadas à comarca e capitania geral do Rio de Janeiro mesmo após seus termos, como todo o território da antiga capitania de Itanhaém, terem sido revertidos para a Coroa portuguesa no ano de 1763 e terem sido anexadas ao governo da capitania geral de São Paulo.
Os termos de outras duas vilas, a Vila Nova da Exaltação à Santa Cruz do Salvador de Ubatuba (1637) e a de São Francisco das Chagas de Taubaté (1645), ambas criadas pelo donatário da capitania hereditária de Itanhaém, ficaram subordinadas judicialmente à comarca de São Paulo a partir de 1700 e, civil e militarmente, à capitania geral de São Paulo a partir de 1720; no entanto, elas continuaram pertencendo politicamente ao donatário da capitania até a sua reversão para a Coroa portuguesa no ano de 1763, quando elas foram anexadas à capitania geral de São Paulo.
As vilas de São João Batista da Barra e de São Salvador dos Campos dos Goytacazes, criadas pelo donatário da capitania hereditária da Paraíba do Sul, respectivamente, nos anos de 1676 e 1677, passaram a ser subordinados judicialmente à comarca da capitania régia do Espírito Santo, legalmente, a partir de 1732 e, de fato, a partir de 1741.
Apesar da capitania da Paraíba do Sul ter continuada sendo uma capitania hereditária até o ano de 1754, seu donatário somente pode nomear ouvidor leigo para a sua capitania, durante um curto prazo de tempo, após 1741, por permissão do ouvidor geral da comarca do Espírito Santo, contrariando uma ordem régia.
Com a reversão da capitania da Paraíba do Sul para a Coroa portuguesa, seus termos ficaram anexados à comarca e capitania do Espírito Santo, passando a pertencer ao Espírito Santo quando essa unidade político-administrativa portuguesa foi transformada em uma província régia, no ano de 1821.
O ponto central deste estudo sobre a história de Sergipe:
Uma vila de uma capitania podia ser criada pelo ouvidor geral de outra capitania, sem com isso ela deixar de pertencer ao território político de sua capitania de origem, como aconteceu com a vila pernambucana de São Francisco da Barra do Rio Grande, criada pelo ouvidor geral da comarca sergipana de Jacobina, tendo ela ficado subordinada civil e militarmente ao governo geral do Brasil de 1752 a 1763 e ao governo da capitania geral da Bahia de Todos os Santos desse ano até o ano de 1820.
Uma vila podia ser criada pelo ouvidor geral da capitania a que pertencia e ficar subordinada judicialmente à comarca de outra capitania e ao governo civil e militar dessa outra capitania; mesmo assim ela não deixava de pertencer ao território político de sua capitania de origem, como ocorreu com a vila de Paraty, que fora criada por seu donatário, mas passou a ser subordinada judicialmente à comarca do Rio de Janeiro, mas permaneceu civil e militarmente subordinada ao governo de São Paulo de 1720 a 1726; mesmo assim ela não deixou de pertencer ao território político da capitania hereditária de Itanhaém até o ano de 1763.
Amplie sua visão histórica…
Você sabia que uma vila de uma capitania de um Estado da Coroa portuguesa podia ser criada por um ouvidor geral da comarca da capitania de outro Estado português na América; e que uma vila podia ser criada no território de uma capitania pelo ouvidor geral da comarca de outra capitania, e seu termo ficar subordinado judicialmente a uma comarca de uma terceira capitania, ficando essa vila civil e militarmente subordinada ao governo dessa terceira capitania; e que uma vila podia ser criada por um Desembargador do Tribunal da Relação do Brasil, mesmo havendo um ouvidor geral na capitania a que essa vila pertencesse politicamente; e que uma vila de capitania podia ser criada pelo ouvidor geral de uma capitania, mesmo estando seu termo subordinado judicialmente a outra comarca dessa mesma capitania, mesmo estando o território dessa comarca subordinado civil e militarmente ao governo de outra capitania?!
A saga continua…
Fonte:
ELLIS, Myriam. SÃO PAULO, DE CAPITANIA A PROVÍNCIA. Pontos de partida para uma História político-administrativa da Capitania de São Paulo. Trabalho apresentado ao Primeiro Congresso de História de São Paulo realizado em Campinas, em Julho de 1972.
<https://core.ac.uk/download/pdf/268317336.pdf>
FRANÇA, Ivo do Prado Montes Pires de. A capitania de Sergipe e suas ouvidorias: memórias sobre questões de limites (Congresso de Bello Horizonte). Rio de Janeiro, 1919.
SANTOS, Fabricio Lyrio. A civilização como missão: agentes civilizadores de índios na Bahia colonial no contexto da política pombalina. Tempo (Niteroi, online) / vol. 22 n. 41. P. 533-550 set-dez. 2016./ Disponível em: <https://www.scielo.br/pdf/tem/v22n41/1413-7704-tem-22-41-00533.pdf >. Acesso em: 29 abril 2021.
SOARES, André Luiz Gomes. Diagnóstico dos Impactos Antrópicos em Vila Velha: Proposta para sua Preservação e Conservação. Universidade Federal de Pernambuco. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Programa de Pós-Graduação em Arqueologia. Recife, 2009. Disponível em: <https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/786/1/arquivo697_1.pdf>. Acesso em: 26 maio 2021.
VELEZ, Luciana de Carvalho Barbalho. Donatários e Administração Colonial: a Capitania de Itamaracá e a Casa de Cascais (1692-1763). Universidade Federal Fluminense – UFF – Programa de Pós-Graduação. Doutorado em História. Niteroi – RJ, 2016. Disponível em: https://www.historia.uff.br/stricto/td/1668.pdf. Acesso em: 21 maio 2021.
Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco-CONDEPE/FIDEM. Prefeito: RUBEM CATUNDA DA SILVA FILHO. Vice-prefeito: Cláudio Gadelha Pinheiro. Prefeitura Municipal da ILHA DE ITAMARACÁ. Disponível em: <http://www.condepefidem.pe.gov.br/c/document_library/get_file?p_l_id=18782156&folderId=143124&name=DLFE-12533.pdf>. Acesso em: 21 maio 2021.
Evolução histórica das Comarcas. Memória – Tribunal de Justiça de São Paulo. Disponível em: https://www.tjsp.jus.br/Memoria/Historia/Comarcas. Acesso em: 26 maio 2021.
Poder Judiciário de Justiça do Estado do Espírito Santo. Histórico do Poder Judiciário. Disponível em: <http://www.tjes.jus.br/institucional/presidencia-2/historico-do-poder-judiciario/. Acesso em: 26 maio 2021.
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